Com a descoberta
da psicanálise, Freud inaugura um novo discurso, cujo objetivo é emprestar um
estatuto científico à psicologia. Na realidade, longe de acrescentar um novo
capítulo à área das ciências chamadas positivas, ele introduziu uma ruptura
radical, tanto com aquilo que mais tarde seria chamado de ciências humanas como
com o que, até então, constituía o centro da reflexão filosófica, isto é, a
relação do homem com o mundo. Na história da psiquiatria dinâmica, chama-se
Freudismo à escola de pensamento fundada por Sigmund Freud. O Freudismo inclui
a totalidade das correntes que recorrem a ela, sejam quais forem suas
divergências. A história do Freudismo e de sua identificação teórica,
sociológica e política confundem-se, portanto, com a história das sucessivas
interpretações da doutrina original, tal como Freud construiu sua arquitetura.
Seus herdeiros,
chamados freudianos, modificaram-na através de pelo menos quatro gerações de
pensadores, comentadores, intérpretes, terapeutas ou chefes de escola, agrupados
ou não em diversas instituições, dentre as quais a mais antiga e de longe a
mais poderosa é a International
Psychoanalytical Association (IPA). Desde sua criação, em 1910, ela
se atribuiu à tarefa de definir as regras de um ensino teórico e uma formação
chamada didática dos terapeutas denominados de psicanalistas, independentemente
de sua outra formação (médica, psiquiátrica ou leiga).
O Freudismo é a
aliança de um sistema de pensamento com um método terapêutico. O Sistema
Freudiano baseia-se em uma concepção do inconsciente que exclui
qualquer idéia de subconsciência ou supraconsciência, em uma teoria da sexualidade que se estende a todas as formas
sublimadas da atividade humana, sendo portanto
irredutível à simples atividade sexual ou a suas transgressões, e, por último,
em uma apreensão da relação terapêutica em termos da transferência. Embora tenha
nascido da medicina e da psiquiatria – e embora seja freqüentemente praticado
por médicos ou psiquiatras, o método terapêutico freudiano é a psicanálise e tão-somente a psicanálise.
Sua característica é tratar através da fala, e unicamente através da
fala, as doenças da alma (psicose, melancolia),
dos nervos (neurose) e da sexualidade (perversão), excluindo voluntariamente
qualquer outra forma de intervenção, tais como o exame clínico e os cuidados
corporais, adaptados a cada parte do organismo, as massagens, a cirurgia, a
hipnose, a hidroterapia, a farmacologia, a sugestão, a internação, as terapias
comportamentais e cognitivas, a coerção moral, mediante persuasão ou
autopersuasão, confissão, transe ou exorcismo, a coerção física e moral (com ou
sem abuso sexual), baseada na reunião em grupos, na alienação e no delírio
(seitas), a homeopatia, a bioenergética (medicinas alternativas e
parapsicologia) e, por fim, os métodos ligados ao ocultismo (astrologia,
vidência, espiritismo, telepatia).
Em relação às
outras medicinas da alma e do psiquismo também fundamentadas no tratamento pela
fala, e que se reúnem em diversas escolas de psicoterapia, a psicanálise é a
única a recorrer exclusivamente ao sistema de pensamento freudiano e a empregar
uma técnica de tratamento e de transformação da clínica baseada na
transferência, bem como na obrigação de o próprio terapeuta recorrer à
psicanálise (dita didática e, posteriormente, de controle ou supervisão),
assim como numa concepção do psiquismo em que entram em jogo as definições
freudianas do inconsciente e da sexualidade. Quanto a esse aspecto, o Freudismo
divide-se em seis grandes componentes fundamentais nascidos entre 1930 e 1960:
o Annafreudismo, o Kleinismo, a Ego Psychology, os Independentes,
a Self Psychology e o lacanismo. Os cincos primeiros são
amplamente aceitos e difundidos na IPA, ao passo que o sexto criou a partir de
1964, seu próprio modelo institucional a École Freudienne de Paris (EFP). Em
1981, esta se fragmentou numa multiplicidade de correntes, das quais apenas uma
fundou uma nova internacional: a Association Mondiale de Psychanalyse (AMP).
Diversos outros
métodos psicoterápicos, escolas ou correntes recorrem em maior ou menor grau ao
Freudismo, sem adotar seu sistema de pensamento nem sua técnica, e tampouco seu
princípio didático. Ora são nascidos de uma cisão, de uma dissidência ou de uma
colaboração com o Freudismo, havendo ou não preservado a marca dessa associação
(psicologia individual, psicologia analítica, neofreudismo, gestalt-terapia,
neopsicanálise, análise existencial, etnopsicanálise, psicologia profunda,
etc.), ora existiam independentemente do Freudismo e se desenvolveram nas
margens dele, de acordo com uma dialética da interioridade e da exterioridade
(psicodrama, psicologia clínica, medicina psicossomática, psicoterapia
institucional, terapia de família).
Como sistema de
pensamento, o Freudismo marcou as artes e os campos do saber que lhe eram
preexistentes (psicologia, psiquiatria, filosofia, história, religião,
literatura, pintura) e todos os que se constituíram ao mesmo tempo em que ele e
se formularam perguntas equiparáveis (antropologia, sexologia, criminologia,
lingüística). Havendo atravessado todo o século XX, o freudismo cruzou, por
outro lado, a história de duas grandes correntes de pensamento que se
desenvolveram no mundo e que formaram um movimento: o marxismo e o feminismo. Atravessou também a
história do cinematógrafo, nascida na mesma época que ele.
Como escola de
pensamento que alia um saber clínico a uma teoria e a um movimento
institucional, o freudismo produziu uma historiografia oficial, baseada na
idealização de suas origens (idolatria do mestre fundador), e um dogmatismo.
Pelas mesmas razões, suscitou em seu seio, em virtude da diversidade de suas
escolas e suas correntes, as condições de uma crítica a esse dogmatismo.
Depois do período
inicial freudiano, ocorrem muitas controvérsias, resultando no desdobramento da
psicanálise em várias correntes. Até 1997, o Freudismo estaria implantado em 41
países do mundo. O país que mais possui psicanalistas por habitante é a França,
seguida pela Argentina, a Suíça, os Estados Unidos e o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário e cadastre-se no Blog!