20/04/2019

Interpretação dos Sonhos – Parte 2


Quando nos referimos aos sonhos num sentido teórico, temos em mente três entidades distintas: o sonho manifesto, os pensamentos oníricos latentes e o funcionamento do sonho. Aquilo que o paciente recorda e relata como o seu sonho, o sonho manifesto, é uma mensagem críptica que exige decifração. Subjacentes ao sonho manifesto estão ideias e sentimentos, alguns dos quais pertencem ao presente, alguns ao passado, alguns dos quais são pré-conscientes, outros inconscientes: é o conteúdo latente. Os pensamentos latentes, dão origem ao sonho manifesto, e estamos interessados no método pelo qual esses pensamentos latentes são transformados nas imagens recordadas como sonho. O conteúdo latente é a parte mais importante do sonho. Os pensamentos e desejos inconscientes que ameaçaram acordar a pessoa são denominados como conteúdo latente do sonho. Toda a significação, desejos, problemas, neuroses e até predisposições psicóticas estão nesta parte. As operações mentais inconscientes por meio das quais o conteúdo latente do sonho se transforma em sonho manifesto, damos o nome de elaboração do sonho, também chamada dramatização. O processo responsável por essa transformação, que Freud considerava a parte essencial da atividade onírica, é o funcionamento do sonho.
A primeira coisa que se torna clara para quem quer que compare o conteúdo do sonho com os pensamentos oníricos é que ali se efetuou um trabalho de condensação em larga escala. Os sonhos são curtos, insuficientes e lacônicos em comparação com a gama e riqueza dos pensamentos oníricos. Se um sonho for escrito, talvez ocupe meia página. A análise que expõe os pensamentos oníricos subjacentes a ele poderá ocupar seis, oito ou doze vezes mais espaço. O que é claramente a essência dos pensamentos do sonho não precisa, de modo algum, ser representado no sonho. O sonho tem, por assim dizer, uma centração diferente dos pensamentos oníricos — seu conteúdo tem elementos diferentes como ponto central.
O que aparece nos sonhos, poderíamos supor, não é o que é importante nos pensamentos do sonho, mas o que neles ocorre repetidas vezes. No trabalho do sonho, está em ação uma força psíquica que, por um lado, despoja os elementos com alto valor psíquico de sua intensidade, e, por outro, por meio da sobredeterminação, cria, a partir de elementos de baixo valor psíquico, novos valores, que depois penetram no conteúdo do sonho. Assim sendo, ocorrem uma transferência e deslocamento de intensidade psíquicas no processo de formação do sonho, e é como resultado destes que se verifica a diferença entre o texto do conteúdo do sono e o dos pensamentos do sonho.
O processo que estamos aqui presumindo é nada menos do que a parcela essencial do trabalho do sonho, merecendo ser descrito como o “deslocamento do sonho”. O deslocamento do sonho e a condensação do sonho são os dois fatores dominantes a cuja atividade podemos, em essência, atribuir a forma assumida pelos sonhos. A conseqüência do deslocamento é que o conteúdo do sonho não mais se assemelha ao núcleo dos pensamentos do sonho, e que este não apresenta mais do que uma distorção do desejo do sonho que existe no inconsciente. Na distorção do sonho, descobrimos sua origem está na censura que é exercida por uma instância psíquica da mente sobre outra. O deslocamento do sonho é um dos principais métodos pelos quais essa distorção é obtida. Podemos presumir, portanto, que o deslocamento do sonho se dá por influência da mesma censura — ou seja, a censura da defesa endopsíquica.
Os sonhos não têm a seu dispor meios de representar as relações lógicas entre os pensamentos do sonho. Em sua maioria, os sonhos desprezam todas essas conjunções, e é só o conteúdo substantivo dos pensamentos do sonho que eles dominam e manipulam. O que é reproduzido pelo aparente pensamento no sonho é o tema dos pensamentos do sonho e não as relações mútuas entre eles, cuja asserção constitui o pensamento. Quando ocorre uma contradição num sonho, ou ela é uma contradição do próprio sonho ou uma contradição oriunda do tema de um dos pensamentos do sonho. Uma contradição num sonho só pode corresponder a uma contradição entre os pensamentos do sonho de maneira extremamente indireta. Alguns sonhos desprezam completamente a seqüência lógica de seu material, outros tentam dar uma indicação tão completa quanto possível dela. Ao fazê-lo, os sonhos se afastam ora mais, ora menos amplamente do texto de que dispõem para manipular.
Nos sonhos a categoria dos contrários e dos contraditórios são simplesmente desconsideradas. O “não” não parece existir no que diz respeito aos sonhos. Eles mostram uma preferência particular por combinar os contrários numa unidade ou por representá-los como uma só coisa. Os sonhos se sentem livres, além disso, para representar qualquer elemento por seu oposto imaginário, de modo que não há maneira de decidir, à primeira vista, se qualquer elemento que admita um contrário está presente nos pensamentos do sonho como positivo ou negativo.
A imagem onírica pode ser composta de traços visuais pertencentes, na realidade, em parte a uma pessoa e em parte à outra. Ou, ainda, a participação da segunda pessoa na imagem onírica pode estar não em seus traços visuais, mas nos gestos que atribuímos a ela, nas palavras que a fazemos pronunciar, ou na situação em que a colocamos. Nesse último caso, a distinção entre a identificação e a construção de uma figura composta começa a perder sua nitidez.
Todo sonho versa sobre o próprio sonhador. Os sonhos são inteiramente egoístas. Sempre que nosso próprio ego não aparece no conteúdo do sonho, mas somente alguma pessoa estranha, podemos presumir com segurança que nosso próprio ego está oculto, por identificação, por trás dessa outra pessoa; posso inserir nosso ego no contexto. Em outras ocasiões, quando nosso ego de fato aparece no sonho, a situação em que isso ocorre pode ensinar-nos que alguma outra pessoa jaz oculta, por identificação, por trás de nosso ego. Uma conclusão no sonho representa uma conclusão nos pensamentos oníricos.
Um afeto experimentado num sonho não é de modo algum inferior a outro de igual intensidade sentido na vida de vigília. A análise nos mostra que o material de representações passou por deslocamentos e substituições, ao passo que os afetos permaneceram inalterados. A inibição do afeto, por conseguinte, deve ser considerada como a segunda consequência da censura dos sonhos, tal como a distorção onírica é sua primeira consequência.
Em geral, é necessário buscar outra fonte de pensamentos do sonho, uma fonte que esteja sob a pressão da censura. Em resultado dessa pressão, essa fonte normalmente produziria, não satisfação, mas o afeto contrário. Graças à presença da primeira fonte do afeto, porém, a segunda fonte fica habilitada a subtrair do recalque seu afeto de satisfação e a permitir que ele funcione como uma intensificação da satisfação da primeira fonte. Assim, parece que os afetos nos sonhos são alimentados por uma confluência de diversas fontes e sobre determinados em sua referência ao material dos pensamentos oníricos. Durante o trabalho do sonho, as fontes de afeto passíveis de produzir o mesmo afeto unem-se para gerá-lo.
O sonho não só apresenta as formas e facetas de resistência, mas pode tornar-se um veículo para a expressão da força que se opõe à análise. A mesma resistência que usa o sonho para absorver uma hora inteira, fornece uma variação quando atrasa a apresentação para os últimos minutos. O analista não tem por que se sentir perdido quando um sonho é relatado tardiamente demais para que possa ser abordado na sessão.
A transferência, positiva ou negativa, pode converter-se numa fonte de resistência obstinada, sendo que uma e outra podem caminhar de mãos dadas. O impulso infantil inconsciente é suscetível de dotar a transferência de uma tal intensidade que a realidade da situação analítica será completamente obliterada e a aliança terapêutica viciada. Para que o trabalho da análise progrida, uma tal transferência, com suas implicações de resistência, tem de ser interpretada sem esperar que se definam as condições ótimas. Quando a transferência toca esse rumo, o sonho pode ajudar com aviso prévio da necessidade de interpretação antes do paciente representar dramaticamente a sua última resistência, abandonando a análise (vide caso Dora). Quanto mais o paciente aprende da prática de interpretação de sonhos, mais obscuros, geralmente, se tornam seus sonhos posteriores. Os sonhos corroborativos, sua tradução simplesmente apresenta o que o tratamento já inferiu, durante os últimos dias, do material das associações diárias, é como se o paciente houvesse sido amável o bastante para trazer, sob forma onírica, o que lhe havíamos estado “sugerindo” antes. Porém a grande maioria dos sonhos antecipa-se à análise, de maneira que, após subtrair deles tudo que já é sabido e compreendido, resta ainda uma alusão mais ou menos clara a algo que até então estivera oculto. Uma fantasia consiste num desejo inconsciente trabalhado pela capacidade do pensamento lógico a fim de dar origem a uma expressão disfarçada e a uma satisfação imaginária do desejo pulsional. O bebê sonha com seus desejos que se tornam em fantasias de suas expressões diretas das pulsões e impulsos, pois as pulsões dão origem às fantasias. No adulto, o simples fato de fantasiar é para fugir de realidades dolorosas. Descrevemos o elemento dos pensamentos oníricos como uma “fantasia”. O “sonho diurno” [ou devaneio] é algo análogo a fantasia na vida de vigília. O estudo das psiconeuroses leva à surpreendente descoberta de que essas fantasias ou sonhos diurnos são os precursores imediatos dos sintomas histéricos, ou pelo menos de uma série deles. Os sintomas histéricos não estão ligados a lembranças reais, mas a fantasias construídas com base em lembranças. A função de “elaboração secundária” que atribuímos ao quarto dos fatores envolvidos na formação do conteúdo dos sonhos mostra-nos em ação, mais uma vez, a atividade que consegue ter livre vazão na criação de sonhos diurnos sem ser inibida por quaisquer outras influências. Poderíamos simplificar isso dizendo que este nosso quarto fator procura configurar o material que lhe é oferecido em algo semelhante a um sonho diurno. No entanto, se um desses sonhos diurnos já tiver sido formado na trama dos pensamentos oníricos, esse quarto fator do trabalho do sonho preferirá apossar-se do sonho diurno já pronto e procurará introduzi-lo no conteúdo do sonho. Há alguns sonhos que consistem meramente na repetição de uma fantasia diurna que talvez tenha permanecido inconsciente.
Tem sido demonstrado, por pesquisadores do sono e do sonho, que todas as pessoas sonham regularmente durante todo o seu período de sono. Por isso dizermos que o “sonho é o guardião do sono”. O sonho é o fiel guardião da nossa saúde psíquica, da nossa alegria de viver, uma vez que a vida não passa, em essência, de uma contínua procura de prazer, contrariada pela realidade (Teoria do Princípio do Prazer). As pessoas que “não sonham, quando analisadas, apresentam recalques afetivos profundos. Porém quando uma pessoa, efetivamente, não sonha, é porque possui problemas estruturais graves, ou seja, são psicóticas, e por isso difícil de serem analisadas. Os sonhos acordados surgem por meio de representações, que fantasiamos à nossa maneira, segundo o curso que damos às nossas fantasias.
A única maneira pela qual podemos descrever o que acontece nos sonhos alucinatórios é dizendo que a excitação se move em direção retrocedente. Em vez de se propagar para a extremidade motora do aparelho, ela se movimenta no sentido da extremidade sensorial e, por fim, atinge o sistema perceptivo. Se descrevermos como “progressiva” a direção tomada pelos processos psíquicos que brotam do inconsciente durante a vida de vigília, poderemos dizer que os sonhos têm um caráter “regressivo”.
Nossa discussão não pode ser levada adiante sem examinarmos o papel desempenhado pelos afetos nesses processos; neste contexto, porém, só podemos fazê-lo de modo imperfeito. Assim, presumamos que a supressão do Ics. seja necessária, acima de tudo, porque, se o curso das representações no Ics. ficasse por sua própria conta, geraria um afeto que foi originalmente de natureza prazerosa, mas tornou-se desprazeroso depois de ocorrido o processo de “recalcamento”. O propósito, bem como o resultado da supressão, é impedir essa liberação de desprazer. A supressão se estende ao conteúdo de representações do Ics., já que a liberação de desprazer pode começar a partir desse conteúdo. Isso pressupõe uma suposição bastante específica quanto à natureza da geração do afeto. A característica essencial dos sonhos de punição, portanto, seria que, em seu caso, o desejo formador do sonho não é um desejo inconsciente derivado do recalcado (do sistema Ics.), mas um desejo punitivo que reage contra este e pertence ao ego, embora seja, ao mesmo tempo, um desejo inconsciente (isto é, pré-consciente).
Caso se pergunte se é possível interpretar todos os sonhos, a resposta deve ser negativa. Não se deve esquecer que, na interpretação de um sonho, tem-se como oponentes as forças psíquicas que foram responsáveis por sua distorção.

Sonhos transcritos de um livro com a interpretação dada (retirados do livro interpretação dos sonhos- Freud)
Relato de Freud de um sonho de um adulto
A paciente, uma moça de pouca idade, assim começou: “Como o senhor deve estar lembrado, minha irmã só tem agora um menino — Karl; ela perdeu o filho mais velho, Otto, quando eu ainda morava com ela. Otto era meu favorito; de certa forma, eu o criei. Também gosto do menorzinho, mas, é claro, nem de longe tanto quanto gostava do que morreu. Então, ontem à noite, sonhei que via Karl morto diante de mim. Estava deitado em seu caixãozinho, com as mãos postas e velas a seu redor — de fato, exatamente como o pequeno Otto, cuja morte foi um golpe tão forte para mim.
Agora me diga: que pode significar isso? O senhor me conhece. Será que sou uma pessoa tão má a ponto de desejar que minha irmã perca o único filho que ainda tem? Ou será que o sonho significa que eu preferiria que Karl estivesse morto, em vez de Otto, de quem eu gostava muito mais?”
Assegurei-lhe que esta última interpretação estava fora de cogitação. E, depois de refletir um pouco, pude dar-lhe a interpretação correta do sonho, posteriormente confirmada por ela. Pude fazê-lo porque estava familiarizado com toda a história prévia da autora do sonho.
Essa moça ficara órfã em tenra idade e fora criada na casa de uma irmã muito mais velha.
Entre os amigos que frequentavam a casa, havia um homem que deixou uma impressão duradoura em seu coração. Por algum tempo, pareceu que suas relações mal admitidas com ele levariam ao casamento, mas esse desenlace feliz foi reduzido a cinzas pela irmã, cujos motivos jamais foram plenamente explicados. Depois do rompimento, esse homem deixou de frequentar a casa e, pouco depois da morte do pequeno Otto, para quem ela voltara sua afeição neste ínterim, minha paciente fixou residência própria sozinha. Não conseguiu, contudo, libertar-se de seu apego pelo amigo da irmã. Seu orgulho ordenava que o evitasse, mas ela não conseguiu transferir seu amor para nenhum dos outros admiradores que se apresentaram posteriormente. Sempre que se anunciava que o objeto de suas afeições, que era por profissão um homem de letras, ia proferir uma palestra em algum lugar, ela estava invariavelmente na plateia; e aproveitava todas as oportunidades possíveis de contemplá-lo à distância em campo neutro. Lembrei-me de que ela me dissera, na véspera, que o Professor iria a um certo concerto, e que ela pretendia ir também para ter o prazer de dar uma olhadela nele mais uma vez. Isso ocorrera na véspera do sonho, e o concerto iria realizar-se no dia em que ela o relatou a mim. Foi-me, portanto, fácil construir a interpretação correta, e perguntei-lhe se podia pensar em alguma coisa que tivesse acontecido após a morte do pequeno Otto. Ela respondeu de pronto: “Naturalmente; o Professor veio visitar-nos de novo depois de uma longa ausência e eu o vi mais uma vez ao lado do caixão do pequeno Otto.” Isso era exatamente o que eu esperava, e interpretei o sonho desta forma: “Se o outro menino morresse agora, aconteceria a mesma coisa. Você passaria o dia com sua irmã, e o Professor certamente viria apresentar seus pêsames, de modo que você o veria mais uma vez nas mesmas condições que na outra ocasião. O sonho significa apenas seu desejo de vê-lo mais uma vez, um desejo contra o qual você vem lutando internamente. Sei que você tem na bolsa uma entrada para o concerto de hoje. Seu sonho foi um sonho de impaciência: antecipou em algumas horas a visão que você vai ter dele hoje.”



Relato de Freud de um sonho de uma criança
Uma criança com menos de quatro anos de idade contou ter sonhado que vira um prato enorme com um grande pedaço de carne assada e legumes. De repente, toda a carne foi comida — inteira e sem ser destrinchada. Ela não viu a pessoa que a comeu.
Quem teria sido a pessoa desconhecida cujo suntuoso banquete de carne constitui o tema do sonho do menininho? Suas experiências durante o dia do sonho devem esclarecer-nos sobre o assunto. Por ordem médica, ele fora submetido a uma dieta de leite nos últimos dias. Na noite do dia do sonho ele se mostrara travesso e, como castigo, fora mandado para a cama sem jantar. Ele já havia passado por essa cura pela fome numa ocasião anterior e se portara com muita bravura. Sabia que não conseguiria nada, mas não se permitia demonstrar, nem mesmo por uma única palavra, que estava com fome. A educação já começara a surtir efeito nele: encontrou expressão em seu sonho, que exibe o início da distorção onírica. Interpretação: Não há nenhuma dúvida de que a pessoa cujos desejos eram visados nessa generosa refeição — de carne, ainda por cima — era ele próprio. Mas, como sabia que isso não lhe era permitido, ele não se aventurou a sentar-se pessoalmente para desfrutar a refeição, como fazem as crianças famintas nos sonhos. A pessoa que se serviu da refeição permaneceu no anonimato.

Relato de Freud de um sonho de uma senhora
Quando jovem ela se destacara por sua inteligência viva e sua disposição alegre; e essas características ainda podiam ser observadas, pelo menos nas ideias que lhe ocorriam durante o tratamento. No decorrer de um sonho um tanto longo, essa senhora imaginou ver sua única filha, de quinze anos de idade, morta “numa caixa”. Estava parcialmente inclinada a utilizar essa cena como uma objeção à teoria da realização dos desejos, embora ela própria suspeitasse de que o detalhe da “caixa” devia estar apontando para outra visão do sonho.
No decorrer da análise, ela lembrou que, numa reunião na noite anterior, falara-se um pouco sobre a palavra inglesa “box” e as várias formas pelas quais se poderia traduzi-la em alemão — tais como “Schachtel” [“caixa”] “Loge” [“camarote de teatro”], Kasten [arca], “Ohrfeige” [“murro no ouvido”], e assim por diante. Outras partes do mesmo sonho nos permitiram descobrir ainda que ela havia pensado que “box”, em inglês, se relacionava mesmo com o “Büchse” [“receptáculo”] em alemão, e que depois fora atormentada pela lembrança de que “Büchse” é empregado como termo vulgar para designar os órgãos genitais femininos. Fazendo uma certa concessão aos limites de seus conhecimentos de anatomia topográfica, poder-se-ia presumir, portanto, que a criança que jazia na caixa significava um embrião no útero. Após ter sido esclarecida quanto a esse ponto, ela não mais negou que a imagem onírica correspondesse a um desejo seu. Interpretação: Como tantas jovens casadas, ela não ficara nada satisfeita ao engravidar, e, mais de uma vez, tinha-se permitido desejar que a criança que trazia no ventre morresse. De fato, num acesso de cólera após uma cena violenta com o marido, ela batera com os punhos cerrados no próprio corpo para atingir a criança lá dentro. Dessa forma, a criança morta era de fato a realização de um desejo, mas de um desejo que fora posto de lado quinze anos antes. Dificilmente se pode ficar admirado com o fato de um desejo realizado após uma demora tão prolongada não ser reconhecido. Muitas coisas haviam mudado nesse intervalo.

Relato de um sonho com a interpretação dada, acrescentando minha interpretação
O segundo sonho de Dora (Freud, obras psicológicas completas -Volume VII)
Algumas semanas depois do primeiro sonho ocorreu o segundo, com cuja resolução interrompeu-se a análise. O estado anímico de Dora, preencheu uma lacuna de sua memória e permitiu obter um profundo conhecimento da gênese de outro de seus.
“Eu estava passeando por uma cidade que não conhecia, vendo ruas e praças que me eram estranhas. Cheguei então a uma casa onde eu morava, fui até meu quarto e ali encontrei uma carta de mamãe. Dizia que, como eu saíra de casa sem o conhecimento de meus pais, ela não quisera escrever-me que papai estava doente. ‘Agora ele morreu e, se quiser, você pode vir.’ Fui então para a estação [Bahnhof] e perguntei umas cem vezes: `Onde fica a estação?’ Recebia sempre a resposta: `Cinco minutos.’ Vi depois à minha frente um bosque espesso no qual penetrei, e ali fiz a pergunta a um homem que encontrei. Disse-me: `Mais duas horas e meia.’ Pediu-me que o deixasse acompanhar-me. Recusei e fui sozinha. Vi a estação à minha frente e não conseguia alcançá-la. Aí me veio o sentimento habitual de angústia de quando, nos sonhos, não se consegue ir adiante. Depois, eu estava em casa; nesse meio tempo, tinha de ter viajado, mas nada sei sobre isso. Dirigi-me à portaria e perguntei ao porteiro por nossa casa. A criada abriu para mim e respondeu: `A mamãe e os outros já estão no cemitério [Friedhof]’”.

Carta Despedida Dora. A cena do Lago. O pai Morto Sem Repressão
…Com isso chegamos ao conteúdo da carta no sonho. O pai estava morto e ela saíra de casa por seu próprio arbítrio. A partir dessa carta, relembrei prontamente a Dora a carta de despedida que ela escrevera aos pais, ou que pelo menos fora composta para eles . Essa carta se destinava a dar um susto no pai para que ele desistisse da Sra. K., ou pelo menos a se vingar dele, caso não fosse possível induzi-lo a isso. Estamos diante do tema da morte dela ou da morte do pai (cf. cemitério, mais adiante no sonho). Acaso estaremos no caminho errado ao supor que a situação constitutiva da fachada do sonho correspondia a uma fantasia de vingança contra o pai? ...De onde proviria a frase “se você quiser”? A propósito disso ocorreu a Dora o adendo de que, depois da palavra “quiser”, havia um ponto de interrogação, e com isso ela também reconheceu essas palavras como uma citação extraída da carta da Sra. K. que contivera o convite para L (o lugar junto ao lago). De maneira estranhíssima, após a intercalação “se você quiser vir”, havia nessa carta um ponto de interrogação colocado bem no meio da frase.
Assim, estamos outra vez de volta à cena do lago e aos enigmas ligados a ela. Pedi a Dora que me descrevesse essa cena minuciosamente...Mal compreendeu do que se tratava, deu-lhe uma bofetada no rosto e se afastou às pressas. Eu queria saber que palavras ele empregara, mas Dora só se lembrou de uma de suas alegações: “Sabe, não tenho nada com minha mulher.” Naquele momento, para não tornar a encontrá-lo, ela quisera voltar para L contornando o lago a pé, e perguntou a um homem com quem cruzou a que distância ficava. Ante a resposta “duas horas e meia”, desistiu dessa intenção e voltou em busca do barco, que partiu logo depois. O Sr. K. também estava lá novamente, aproximou-se dela e lhe pediu que o desculpasse e não contasse nada sobre o incidente. ...O pai estava morto e os demais já tinham ido para o cemitério. Ela podia ler calmamente o que bem lhe aprouvesse. Não significaria isso que uma de suas razões para a vingança era também a revolta contra a coerção exercida pelos pais? Se seu pai estivesse morto, ela poderia ler ou amar como quisesse.

A Governanta do Sr. K e a Última Seção de Dora
Agora conheço o motivo daquela bofetada com que você respondeu à proposta do Sr. K. Não foi a afronta pela impertinência dele, mas uma vingança por ciúme. Quando a mocinha lhe contou sua história, você ainda pôde valer-se de sua arte de pôr de lado tudo o que não convinha a seus sentimentos. Mas no momento em que o Sr. K. usou as palavras “Não tenho nada com minha mulher”, que ele também dissera à senhorita, novas emoções foram despertadas em você e fizeram pender a balança. Você disse a si mesma: “Como se atreve ele a me tratar como uma governanta, uma serviçal?” A esse orgulho ferido somaram-se o ciúme e os motivos de prudência conscientes: definitivamente, era demais. Para provar o quanto você ficou impressionada com a história da governanta, relembro suas repetidas identificações com ela no sonho e em sua própria conduta.
Você contou a seus pais, o que até aqui não havíamos compreendido, tal como a moça escreveu aos pais dela. Está se despedindo de mim como uma governanta, com um aviso prévio de quatorze dias. ...Você compreendeu muito bem a pobre moça. Ela não queria ir-se de imediato porque ainda tinha esperanças, porque esperava que o Sr. K. voltasse a lhe dar sua ternura. Esse deve ter sido também o seu motivo. Você aguardou esse prazo para ver se ele renovaria suas propostas; daí teria concluído que ele estava agindo a sério, e que não queria brincar com você como fizera com a governanta.... Será que não pensou que ele queria divorciar-se da mulher para se casar com você....
As relações entre seu pai e a Sra. K., que provavelmente você só apoiou por tanto tempo por causa disso, davam-lhe a certeza de que se conseguiria o consentimento da mulher para o divórcio, e com seu pai você consegue o que quer. Na verdade, se a tentação em L houvesse tido outro desfecho, essa teria sido a única solução possível para todas as partes. Penso também que por isso você lamentou tanto o outro desenlace e o corrigiu na fantasia que se apresentou como uma apendicite. Assim, deve ter sido uma grande decepção para você que, em vez de uma proposta renovada, suas acusações tenham tido como resultado as negativas e as calúnias do Sr. K. Você admite que nada a enfurece mais do que acreditarem que você imaginou a cena do lago. Agora sei do que é que não quer ser lembrada: é de ter imaginado que a proposta estava sendo feita a sério e que o Sr. K. não desistiria até que você se casasse com ele.

Complemento da interpretação de Freud realizada baseado na discussão do caso
“`Onde fica a estação?’ Recebia sempre a resposta: `Cinco minutos.’”. Esta frase está cheia de sentido transferencial de Dora para com Freud. Onde fica a estação, é a busca de Dora responder aos seus anseios e questionamentos. O papel de Freud que posteriormente ele diz “Será que eu poderia ter conservado a moça em tratamento, se tivesse eu mesmo representado um papel, se exagerasse o valor de sua permanência para mim e lhe mostrasse um interesse caloroso que, mesmo atenuado por minha posição de médico, teria equivalido a um substituto da ternura por que ela ansiava?” , porém este é o lado negativo da transferência. Posteriormente Freud reconhece, “Assim, fui surpreendido pela transferência e, por causa desse “x” que me fazia lembrar-lhe o Sr. K., ela se vingou de mim como queria vingar-se dele, e me abandonou como se acreditara enganada e abandonada por ele.”
Aí Dora no sonho se refere aos “Cinco minutos”, que eu posso associar com os “cinquenta minutos da análise”.

Apresente um sonho de um paciente ou de uma pessoa conhecida dando uma interpretação
Como nós sabemos, os sonhos isoladamente, não autoriza ao psicanalista a fazer um diagnóstico e menos ainda a instituir um tratamento. Só em mãos bastante destras, tornam-se eles capazes de oferecer índices proveitosos e de revelar alguma coisa mais que a simples análise de um sonho comum. Porém, nos foi solicitado uma interpretação e com este objetivo vos apresento o relato que se segue. Na aula do dia 23/03/2001 com o Professor Heitor, uma colega relatou um sonho na sala de aula, na presença de todos os alunos. O sonho era repetitivo e tinha acontecido a um tempo atrás quando a sua mãe tinha morrido, porém ela não conseguia interpretar este sonho até o momento. “Minha mãe tinha morrido. Ela estava no meio das nuvens, feliz, dançando e dizia que era um lugar bom e me chamava. Eu estava lá embaixo, como se fosse o fim de uma escada. Eu não queria ir.” Neste instante a minha colega fez um gesto com a mão dizendo “não” junto com sua voz e negativa. O professor ouviu seu sonho e emitiu um comentário de que provavelmente, no seu sonho a mãe na realidade não era sua mãe e deu prosseguimento a aula. A partir deste momento eu disse, vou interpretar este sonho. Comecei a pensar, porque a “mãe” no seu sonho estava “feliz”? Qual a necessidade da colega ter de reforçar o “não queria ir” com gestos marcantes? Qual o objetivo da escada ou caminho?
Pensei e veio uma percepção clara e objetiva sobre os meus questionamentos. No intervalo, procurei a colega, tocando no seu ombro. Ela virou-se com surpresa, nós não nos conhecíamos (só de vista). Neste instante eu falei, “você poderia me dar um minuto, eu interpretei o seu sonho.” Chamei no lugar mais reservado, sem ninguém ao redor e expliquei que estava estudando e lendo A Interpretação dos Sonhos de Freud (e discutindo o caso Dora). Solicitei que caso a interpretação não fosse lógica, pois não tinha sua anamnese nem a conhecia, poderia não levar em conta a minha interpretação, mas que no meu conceito o sonho estava esclarecido.
Eu disse então na interpretação: “Você tinha um desejo de suicídio”. No início ela ficou calada, “surpresa” e tive a percepção de alguma resistência. Porém logo em seguida se emocionou enchendo os olhos com lágrimas que não chegaram a cair, me confirmou e falou “realmente faz sentido, na época além de minha mãe morrer, eu estava me separando do meu marido. Provavelmente, tivesse realmente ter sentido esta emoção e o desejo.” Neste instante me senti bem por ter ajudado uma pessoa a decifrar e resolver algo que estava lhe incomodando no seu inconsciente e que ela “não sabia o que era”. A minha interpretação partiu do seguinte raciocínio: A morte era uma coisa boa pois a sua mãe, ou alguém (quem sabe ela mesma) estava feliz apesar da morte. O caminho estava traçado. O seu sentimento olhando e dizendo “não” com gestos marcantes, tinha um sentido, “um afeto” muito forte como se estivesse sendo “gratificada” com a situação, ou seja ... dizendo “sim”.

Apresente um sonho seu com a devida interpretação
Um sonho que eu tive com a minha interpretação
Quando eu tinha 16 anos, estava cursando o 3ºano do 2ºgrau e estudava para o vestibular de Engenharia. Gostava bastante de Física e Matemática, e em uma noite estava resolvendo questões relativa a estas matérias. Em determinado momento me senti cansado, fato que foi agravado devido a tentativa de não conseguir resolver uma questão. Resolvi dormi e acordar cedo para continuar estudando. De repente me vejo tentando resolver a questão, porém não conseguia, tentava novamente e não conseguia, tentava, tentava, tentava. Comecei a achar estranho pois nunca tinha tentado tanto e não conseguia resolver. Tudo começou a parecer um pesadelo, um mal-estar geral tomou conta de mim. Em determinado instante…. acordei! É, tinha sonhado, tive um sonho “com o resto do dia”, continuando algo que não tinha finalizado. Algo que era importante para mim, o vestibular. A questão foi a sintetização deste desafio (vestibular) e a minha meta era de superá-lo.
Quando acordei de madrugada, busquei retomar e resolver a questão. Resolvi e fui dormir novamente, mas agora sem este peso do desafio não resolvido. O sono neste instante foi agradável e tranquilo. Há, no fim do ano, passei no vestibular na UFBA, para Engenharia Mecânica, e agora…um Psicanalista em Formação.

O significado simbólico dos sonhos e as origens dos nomes.
Vamos fazer uma referência aos símbolos, agora Freud adverte: o significado dos símbolos deve ser somente utilizado como um método auxiliar. As associações do paciente com o elemento onírico (sonho), determina a preferência em todos os casos, a interpretação correta só pode ser alcançada, em cada ocasião. Os elementos podem ser modificados inclusive demonstrando ser o oposto, devemos sempre investigar o contexto. Muitas vezes, um símbolo tem de ser interpretado em seu sentido próprio, e não simbolicamente, ao passo que, em outras ocasiões, o sonhador pode tirar de suas lembranças particulares o poder de empregar como símbolos sexuais toda sorte de coisas que não são, comumente, empregadas como tais.

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