Introdução
“O sonho é a
estrada real que conduz ao inconsciente”, escreveu Freud em sua obra-prima A
Interpretação dos Sonhos (Die Traumdeutung) . O livro levou dois anos (1898 e
1899) para ser escrito e nele Freud edificou os principais fundamentos da
teoria psicanalítica, constituindo como o ponto de apoio para todo o
desenvolvimento posterior da sua obra.. Para Freud, a essência do sonho é a realização
de um desejo infantil reprimido. E foi a partir desse princípio que ele
elaborou as bases do método psicanalítico.
Antes de Freud, os
sonhos eram considerados apenas símbolos, analisados como se fossem premonições
ou manifestações divinas. Freud, por meio da análise dos sonhos, mostrou a
existência do inconsciente e transformou algo tido pela ciência como o lixo do
pensamento, no caso os sonhos, em um instrumento revelador da personalidade
humana. Os sonhos mostram uma clara preferência pelas impressões dos dias
imediatamente anteriores. Têm à sua disposição as impressões mais primitivas da
nossa infância e até fazem surgir detalhes desse período de nossa vida que,
mais uma vez, parecem-nos triviais e que, em nosso estado de vigília,
acreditamos terem caído no esquecimento há muito tempo.
Para que um sonho
seja interpretado é necessário que não tentemos entendê-lo de uma só vez, na
sua totalidade, pois devido a ser formado no inconsciente só existe afetos e
fragmentos da realidade, logo muito confuso no primeiro momento. Devemos
dividi-lo em partes de acordo com o contexto do paciente e vamos decifrando-o
lentamente sem adotar um critério cartesiano, pois o mesmo fragmento de um
conteúdo pode ocultar um sentido diferente quando ocorre em várias pessoas ou
em situações diferentes.
O sonho é
justamente o fenômeno da vida psíquica normal em que os processos inconscientes
da mente são revelados de forma bastante clara e acessível ao estudo. Na
concepção freudiana, o sonho é um produto da atividade do Inconsciente e que
tem sempre um sentido intencional, a saber: a realização ou a tentativa de
realização - mais ou menos dissimulada, de uma tendência reprimida. Assim, os
sonhos revelam a verdadeira natureza do homem, embora não toda a sua natureza,
e constituem um meio de tornar o interior oculto da mente acessível a nosso
conhecimento.
O sonho e as
histéricas iniciam a psicanálise, dão-lhe, com Freud, o sopro inicial. Na
Teoria dos Campos, é claro, também se pensa o sonho. Despertos, nossos atos, ideias,
sentimentos arranjam-se segundo as linhas de força que, ao dormir, emergirão
como um episódio onírico. Nossa identidade, com seus “Eus” em diálogo ou
disputa, é composta de enredos que melhor se apreciam nos sonhos. As
personagens de tais enredos povoam também nossa realidade, esgueirando-se entre
os objetos do dia a dia, encarnando-se num amigo, numa pessoa que nos desperta
a paixão, em nós mesmos. Sonho após sonho se fazem presentes; até que um desses
nos permita interpretar seu sentido e despertar do sonho em que estávamos
imersos.
O sonho pode
deixar-nos tocar a rosa que vemos — e, ainda assim, estaremos sonhando. Existe
um critério para determinar se estamos sonhando ou acordados, e esse é o
critério puramente empírico do fato de acordarmos. Tudo o que experimentamos
entre adormecer e acordar é ilusório quando, ao despertar, verificamos que
estamos deitados na cama. Durante o sono, tomamos as imagens oníricas por
imagens reais graças ao nosso hábito mental (que não pode ser adormecido) de
supor a existência de um modo externo com o qual estabelecemos um contraste com
o nosso ego.
Assim sendo, a
interpretação dos sonhos desvela, sobretudo, os conteúdos mentais, pensamentos,
dados e experiências que foram reprimidos ou recalcadas, excluídos da
consciência pelas atividades de defesa do ego e superego e enviadas para o
inconsciente. A parte do id cujo acesso à consciência foi impedido, é
exatamente a que se encontra envolvida na origem das neuroses. Portanto, o
interesse de Freud pelos sonhos teve origem no fato de constituírem eles
processos normais, com os quais todos estão familiarizados, mas que
exemplificam processos atuantes na formação dos sintomas neuróticos. Surge o
sonho, via de regra, numa zona congestionada do entrelaçamento dos campos, de
onde resulta que seu conteúdo exprima regras atinentes a distintos temas
psíquicos simultaneamente; por isso não possui um só sentido latente, mas uma
rede de significações emocionais, o sonho é um momento diagnóstico por
excelência, identifica o sujeito.
Não é absurdo
pedir explicações e associações ao paciente que conta um sonho, quer dizer,
tratar o sonho como episódio distinto e fenômeno isolável. Faça isso quando
achar oportuno, mas não se esqueça que a forma pela qual o sonho foi narrado e
o conjunto inteiro das idéias que o cercam, ainda e sobretudo se não lhe
parecem conectadas, são associações também, potencialmente. Com o sonhador, o
analista sonha empaticamente, deixando-se levar pela iluminação que o sonho
propicia, sem pressa, esperando que a precipitação insemine-lhe as idéias, para
poder operar no mesmo ritmo do campo onírico.
O sonho é uma
defesa do sono, a isso pode acrescentar-se que o sonho aberto, essa história
visual que se vive de noite e se conta de dia, é a oportunidade para sair de um
sonho, da surda corrente subterrânea dos temas de que o sonho trata, cuja
lógica preside ocultamente a vigília, até que se possa manifestar num episódio
constituído, ganhando estatuto de consciência. Segundo Freud, não existe nenhum
fundamento nos fatos de que os sonhos tem o poder de adivinhar o futuro e nos
sonhos não existem sentimentos morais.
Como existe uma
forte tendência a se esquecer um sonho, por obra da resistência, e quase todos
assim se perdem, a função do analista é também de recordação. Ele tem a função
de manter o sonho à tona por um tempo mais longo do que espontaneamente se
daria e por acompanhar seu movimento de disseminação e nova concentração, e não
é uma tarefa fácil, pois em nós também operam resistências.
Fragmentos da Pré-História dos Sonhos
A visão
pré-histórica dos sonhos sem dúvida ecoou na atitude adotada para com os sonhos
pelos povos da Antiguidade clássica. Eles aceitavam como axiomático que os
sonhos estavam relacionados com o mundo dos seres sobre-humanos nos quais
acreditavam, e que constituíam revelações de deuses e demônios. Não havia
dúvida, além disso, de que, para aquele que sonhava, os sonhos tinham uma
finalidade importante, que era, via de regra, predizer o futuro. A
extraordinária variedade no conteúdo dos sonhos e na impressão que produziam
dificultava, todavia, ter deles qualquer visão uniforme, e tornava necessário
classificá-los em numerosos grupos e subdivisões conforme sua importância e
fidedignidade. A posição adotada perante os sonhos por filósofos isolados na
Antiguidade dependia, naturalmente, até certo ponto, da atitude destes em
relação à adivinhação em geral.
Nas duas obras de
Aristóteles que versam sobre os sonhos, ele já se tornaram objeto de estudo
psicológico. Informam-nos as referidas obras que os sonhos não são enviados
pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são “demoníacos”, visto que
a natureza é “demoníaca”, e não divina. Os sonhos, em outras palavras, não
decorrem de manifestações sobrenaturais, mas seguem as leis do espírito humano,
embora este, é verdade, seja afim do divino. Definem-se os sonhos como a
atividade mental de quem dorme, na medida em que esteja adormecido.
Aristóteles estava
ciente de algumas características da vida onírica. Sabia, por exemplo, que os
sonhos dão uma construção ampliada aos pequenos estímulos que surgem durante o
sono. “Os homens pensam estar caminhando no meio do fogo e sentem um calor
enorme, quando há apenas um pequeno aquecimento em certas partes.” E dessa
circunstância infere ele a conclusão de que os sonhos podem muito bem revelar a
um médico os primeiros sinais de alguma alteração corporal que não tenha sido
observada na vigília.
Antes da época de
Aristóteles, como sabemos, os antigos consideravam os sonho não como um produto
da mente que sonhava, mas como algo introduzido por uma instância divina; e, já
então, as duas correntes antagônicas que iremos encontrar influenciando as
opiniões sobre a vida onírica em todos os períodos da história se faziam
sentir. Traçou-se a distinção entre os sonhos verdadeiros e válidos, enviados
ao indivíduo adormecido para adverti-lo ou predizer-lhe o futuro, e os sonhos
vãos, falazes e destituídos de valor, cuja finalidade era desorientá-lo ou
destruí-lo.
Nos sonhos está a
verdade: nos sonhos aprendemos a conhecer-nos tal como somos, a despeito de
todos os disfarces que usamos perante o mundo, sejam eles enobrecedores ou
humilhantes. O homem honrado não pode cometer um crime nos sonhos, ou, se o
fizer, ficará tão horrorizado com isso como com algo contrário à sua natureza.
Um imperador romano poderia condenar à morte um homem que sonhara ter
assassinado o governante pois estaria justificado em fazê-lo, se raciocinasse
que os pensamentos que se têm nos sonhos também se têm quando em estado de
vigília. A expressão corriqueira ‘eu nem sonharia em fazer tal coisa’ tem um
significado duplamente correto, quando se refere a algo que não pode encontrar
guarida em nosso coração nem em nossa mente. Platão, ao contrário, considerava
que os melhores homens são aqueles que apenas sonham com o que os outros fazem
em sua vida de vigília.
“É impossível
pensar em qualquer ato de um sonho cuja motivação original não tenha passado,
de um modo ou de outro — fosse como desejo, anseio ou impulso —, através da
mente desperta.” Devemos admitir, prossegue Hildebrandt, que esse impulso
original não foi inventado pelo sonho; o sonho simplesmente o copiou e
desdobrou, meramente elaborou de forma dramática um fragmento de material
histórico que encontrou em nós; meramente dramatizou as palavras do Apóstolo:
“Todo aquele que odeia seu irmão é assassino.” [1 João 3, 15.] E embora, depois
de acordarmos, conscientes da nossa força moral, possamos sorrir de toda a
elaborada estrutura do sonho pecaminoso, mesmo assim o material original de que
derivou a estrutura não conseguirá despertar um sorriso. Sentimo-nos
responsáveis pelos erros do sonhador — não por sua totalidade, mas por uma
certa percentagem. “Em suma, se compreendemos, nesse sentido quase
incontestável, as palavras de Cristo, de que ‘do coração procedem os maus
pensamentos’ [Mateus 15, 19], dificilmente escaparemos à convicção de que um
pecado cometido num sonho traz em si pelo menos um mínimo obscuro de culpa.
Robert descreve os
sonhos como “um processo somático de excreção do qual nos tornamos cônscios em
nossa reação mental a ele”. Os sonhos são excreções de pensamentos que foram
sufocados na origem. “Um homem privado da capacidade de sonhar ficaria, com o
correr do tempo, mentalmente transtornado, pois uma grande massa de pensamentos
incompletos e não elaborados e de impressões superficiais se acumularia em seu
cérebro e, por seu grande volume, estaria fadada a sufocar os pensamentos que
deveriam ser assimilados em sua memória como conjuntos completos.” Os sonhos
servem de válvula de escape para o cérebro sobrecarregado. Possuem o poder de
curar e aliviar.
Até meados do
século XIX, os sonhos eram interpretados de acordo com os códigos das
tradicionais "Chaves dos sonhos" que os viam como uma previsão do
futuro. Seria necessária a intuição de alguns médicos alienistas e a audácia de
alguns escritores para pressentir que o sonho fala sonhador sobre ele próprio.
Mas antes de Freud, o conteúdo da mensagem permanecia indecifrável.
Por seu título e
conteúdo, onde os sonhos são vistos como uma linguagem premonitória
sobrenatural, ele se inscreve numa leitura tradicional do onírico. No passado,
a leitura encontra sua fonte na crença de que os sonhos são enviados por Deus,
pouco a pouco colado a uma dimensão mágica (na melhor das hipóteses) ou
satânica (na pior). A etimologia da palavra "cauchemar" (pesadelo) é
reveladora desse deslocamento, "cocher" significa em francês arcaico
"chevaucher" (cavalgar): o corpo do sonhador possuído pelo pesadelo é
cavalgado pelos demônios. Incluído nesse feixe de superstições, o sonho é
estranho ao sonhador, ele é enviado por um "outro", cuja identidade
não é nunca conhecida. Ele tem o papel de mensageiro que força a olhar o futuro
através de seu prisma.
Esta vitalidade de
práticas ligadas à superstição revela certa inércia de idéias. Ela prova um
desconhecimento completo da natureza do imaginário noturno. Só a reflexão
teológica sobre a responsabilidade moral do sonhador (assaltado de maus
pensamentos ou de imagens eróticas que provocam ejaculações noturnas) tem o
mérito de relacionar o indivíduo e o sonho que ele forma, tão estranhos um ao
outro nas crenças populares.
Quanto ao povo,
este recorre aos ciganos, que eram perseguidos por ler os sonhos e punidos pelo
código penal com uma multa de onze a quinze francos e prisão de cinco dias em
caso de reincidência.
No entanto, a moda
da oniromancia declina na segunda metade do século. Várias razões podem, com
cautela, ser levantadas. A mestiçagem das populações sob o efeito da revolução
industrial e o êxodo rural que se segue contribuem para cortar a ligação com as
crenças ancestrais. O progresso da instrução trabalha para desenraizar as
superstições. A descristianização e recristianização contribuem ambas para
matar a figura de Satã e seus acólitos.
Por fim, todo um
arsenal legislativo reforça a proibição de interpretar sonhos suscetíveis de
favorecer os delírios de grandeza e as revoltas. As adivinhadoras perdem assim
seu mistério: elas não são mais perseguidas por exercício de bruxaria, mas por
abuso de confiança. Uma precaução política que priva o sonho de toda qualidade
sobrenatural, sem, por isso, lhe fornecer uma nova identidade.
Através da droga,
atingir o sonho, uma escapada bem voluptuosa. Mas também se trata de
ultrapassar a condição humana e alimentar a criação. "O haxixe será, para
as impressões e os pensamentos familiares do homem, um espelho exacerbador, mas
um puro espelho", escreve Baudelaire. A precisão da transcrição nos
diários, as trocas epistolares, exprimem o interesse profundo e crescente pelo
onírico. Essas narrativas desenham um caminho que leva à descoberta do
inconsciente, mas ela é lenta pois vai de encontro às resistências
cristalizadas em torno da suscetibilidade narcísica do sonhador.
Freud no livro A
Interpretação dos Sonhos relatou, “É difícil escrever uma história do estudo
científico dos problemas dos sonhos porque, por mais valioso que tenha sido
esse estudo em alguns pontos, não se pode traçar nenhuma linha de progresso em
qualquer direção específica. Não se lançou nenhum fundamento de descobertas
seguras no qual um pesquisador posterior pudesse edificar algo; ao contrário,
cada novo autor examina os mesmos problemas de novo e recomeça, por assim
dizer, do início.”.
Fragmentos da teoria de interpretação
dos sonhos
Foi no decorrer
dos estudos psicanalíticos que Freud se deparou com a interpretação dos sonhos.
Seus pacientes assumiram o compromisso de lhe comunicar todas as idéias ou
pensamentos que lhes ocorressem em relação a um assunto específico, e entre
outras coisas, narravam os seus sonhos. Assim ensinaram a Freud que o sonho
pode ser inserido na cadeia psíquica a ser retrospectivamente rastreada na
memória a partir de uma idéia patológica. Freud disse que todo psicólogo é
obrigado a confessar até mesmo suas próprias fraquezas, se acreditar que assim
lança luz sobre algum problema obscuro.
Enquanto Freud
tratava Frau Emmy von N., em 1889-1890, descobriu que ela apresentava
espontaneamente os seus sonhos um material descritivo significativo. Tendo já
descoberto a transferência, a resistência e a necessidade de um ego autônomo em
terapia, Freud abandonou a hipnose, que criava distorções e adicionava
complicações a esses fatores essenciais, e voltou-se para a livre associação e
o método que conhecemos como psicanálise. Freud usou então o sonho como ponto
de partida para associações que, em última instância, conduziam até as idéias
inconscientes que se ocultavam atrás de sintomas e sonhos e eram responsáveis
por ambos. Pela primeira vez, o significado dos sonhos era cientificamente
abordado.
Todo material que
compõe o conteúdo de um sonho é derivado, de algum modo, da experiência, ou
seja, foi reproduzido ou lembrado no sonho. É possível que surja, no conteúdo
de um sonho, um material que, no estado de vigília, não reconheçamos como parte
de nosso conhecimento de nossa vigília, ou de nossa experiência. Lembramo-nos,
naturalmente, de ter sonhado com a coisa em questão, mas não conseguimos
lembrar se, ou quando, a experimentamos na vida real. Ficamos assim em dúvida
quanto à fonte a que recorreu o sonho e sentimo-nos tentados a crer que os
sonhos possuem uma capacidade de produção independente. Então, finalmente,
muitas vezes após um longo intervalo, alguma nova experiência relembra a
recordação perdida do outro acontecimento e, ao mesmo tempo, revela a fonte do
sonho. Somos assim levados a admitir que, no sonho, sabíamos e nos recordávamos
de algo que estava além do alcance de nossa memória de vigília.
As emoções
profundas da vida de vigília, as questões e os problemas pelos quais difundimos
nossa principal energia mental voluntária, não são os que costumam se
apresentar de imediato à consciência onírica. No que diz respeito ao passado
imediato, são basicamente as impressões corriqueiras, casuais e `esquecidas’ da
vida cotidiana que reaparecem em nossos sonhos. As atividades psíquicas mais
intensamente despertas são as que dormem mais profundamente. Isso nos chama a
atenção para o fato de os afetos nos sonhos não poderem ser julgados da mesma
forma que o restante de seu conteúdo; e nos confrontamos com o problema de
determinar que parte dos processos psíquicos que ocorrem nos sonhos deve ser
tomada como real, isto é, que parte tem o direito de figurar entre os processos
psíquicos da vida de vigília.
Existem quatro
tipos de fontes de sonho:
1. Excitações
sensoriais externas (objetivas): todo ruído indistintamente percebido provoca
imagens oníricas correspondentes (ex.: trovoada, cantar de um galo, etc.…);
sensações de frio, calor, etc. (ex.: vontade de urinar, partes do corpo
descobertas, etc..).
2. Excitações
sensoriais internas (subjetivas) dos órgãos dos sentidos: excitações subjetivas
da retina, alucinações hipnagógicas ou fenômenos visuais imaginativos.
3.Estímulos
somáticos internos (orgânicos): distúrbios dos órgãos internos (ex.: causa sonhos
de angústia).
4. Fontes
psíquicas de estimulação: material importante para chegar no inconsciente,
necessário para o tratamento psicanalítico.
Existem diversas
causas para o nosso esquecimento dos sonhos. Geralmente esquecemos o que ocorre
somente uma vez. Temos dificuldade em se lembrar o que é desordenado e confuso.
Não damos importância significativa aos nossos sonhos. Consideramos o sonho
algo enigmático e inexplicado.
Embora seja
verdade que os sonhos devem uma parte do seu conteúdo ao evento mental
corrente, o resíduo do dia não é suficiente para produzi-los. Um sonho só se
forma quando o evento corrente estabelece contato com um impulso do passado,
especificamente com um desejo infantil. A experiência subjetiva que aparece na
consciência durante o sono e que, após o despertar, chamamos de sonho, é apenas
o resultado final de uma atividade mental inconsciente durante esse processo
fisiológico que, por sua natureza ou intensidade, ameaça interferir com o
próprio sonho. Ao invés de acordar, a pessoa sonha. Dormimos porque sonhamos em
vez de sonhamos porque dormimos.
Os sonhos das
crianças pequenas são frequentemente pura realização de desejos e são, nesse
caso, muito desinteressantes se comparados com os sonhos dos adultos. Não
levantam problemas para serem solucionados, mas, por outro lado, são de
inestimável importância para provar que, em sua natureza essencial, os sonhos
representam realizações de desejos. É possível que os sonhos aflitivos e os
sonhos de angústia nos adultos, uma vez interpretados, revelem-se como
realizações de desejos.
O sonho é a
realização de um desejo, um temor realizado, uma reflexão ou uma lembrança. O
sonho de conveniência, satisfaz seus desejos e necessidades. A transformação de
representações em alucinações não é o único aspecto em que os sonhos diferem de
pensamentos correspondentes na vida de vigília. Os sonhos constroem uma
situação a partir dessas imagens; representam um fato que está realmente
acontecendo, eles “dramatizam” uma ideia. Mas essa faceta da vida onírica só
pode ser plenamente compreendida se reconhecermos, além disso, que nos sonhos —
via de regra, pois há exceções que exigem um exame especial — parecemos não
pensar, mas ter uma experiência: em outras palavras, atribuímos completa crença
às alucinações. Somente ao despertarmos é que surge o comentário crítico de que
não tivemos nenhuma experiência, mas estivemos apenas pensando de uma forma
peculiar, ou, dito de outra maneira, sonhando. É essa característica que
distingue os verdadeiros sonhos do devaneio, que nunca se confunde com a
realidade.
Vamos ver um
exemplo de sonho de desejo interpretado por Freud: Aventurei-me a interpretar —
sem nenhuma análise, mas apenas por meio de um palpite — um pequeno episódio
ocorrido com um amigo meu que frequentara a mesma classe que eu durante todo o
nosso curso secundário. Um dia, ele ouviu uma palestra que proferi perante um
pequeno auditório sobre a ideia inédita de que os sonhos eram realizações de
desejos. Foi para casa e sonhou que perdera todos os seus casos (ele era
advogado), e depois me contestou nesse assunto. Fugi à questão, dizendo-lhe
que, afinal de contas, não se podem ganhar todos os casos. Mas pensei comigo
mesmo: “Considerando que, por oito anos a fio, sentei-me no banco da frente
como primeiro da classe, enquanto ele ficava ali pelo meio, ele dificilmente
pode deixar de alimentar um desejo, remanescente de seus tempos de escola, de
que mais dia menos dia, eu venha a me tornar um completo fracasso.”
O trabalho do
sonho está sujeito a uma espécie de exigência de combinar todas as fontes que
agiram como estímulos ao sonho numa única unidade no próprio sonho. Os sonhos
nunca dizem respeito a trivialidades: não permitimos que nosso sono seja
perturbado por tolices. Os sonhos aparentemente inocentes revelam ser
justamente o inverso quando nos damos ao trabalho de analisá-los. A fonte de um
sonho pode ser:
a) Uma experiência
recente e psiquicamente significativa, que é diretamente representada no sonho.
b) Várias
experiências recentes e significativas, combinadas numa única unidade pelo
sonho.
c) Uma ou mais
experiências recentes e significativas, representadas no conteúdo do sonho pela
menção a uma experiência contemporânea, mas irrelevante.
d) Uma experiência
significativa interna (por exemplo, uma lembrança ou um fluxo de ideias), que
é, nesse caso, invariavelmente representada no sonho por uma menção a uma
impressão recente, irrelevante.
Os sonhos muito frequentes,
por terem como tema a frustração de um desejo ou a ocorrência de algo
claramente indesejado, podem ser reunidos sob o título de “sonhos com o oposto
do desejo”. Estes sonhos podem ser elaborados, quando um paciente se encontra
num estado de resistência ao analista. O segundo motivo para os sonhos com o
oposto do desejo está estabelecido em um componente masoquista na constituição
sexual de muitas pessoas, que decorre da inversão de um componente agressivo e
sádico em seu oposto, pois os sonhos desprazerosos são, ainda assim,
realizações de desejos, pois satisfazem suas inclinações masoquistas. Após estas
explicações chegamos a conclusão que o sonho é uma realização (disfarçada) de
um desejo (suprimido ou recalcado.)
Os sonhos de
angústia são abordados como uma subespécie particular dos sonhos de conteúdo
aflitivo. A angústia neurótica se origina da vida sexual e corresponde à libido
que se desviou de sua finalidade e não encontrou aplicação. Os sonhos de
angústia são sonhos de conteúdo sexual cuja respectiva libido se transformou em
angústia. É também instrutivo considerar a relação desses sonhos com os sonhos
de angústia. Um desejo recalcado encontrou um meio de fugir à censura — e à
distorção que a censura implica. O resultado invariável disso é que se
experimentam sentimentos dolorosos no sonho. Da mesma forma, os sonhos de
angústia só ocorrem quando a censura é total ou parcialmente subjugada; e, por
outro lado, a subjugação da censura é facilitada nos casos em que a angústia já
foi produzida como uma sensação imediata decorrente de fontes somáticas. Assim,
podemos ver claramente a finalidade para a qual a censura exerce sua função e
promove a distorção dos sonhos: ela o faz para impedir a produção de angústia
ou de outras formas de afeto aflitivo.
A “angústia de
prestar exames” dos neuróticos deve sua intensificação a esses mesmos medos
infantis. Os sonhos com o Vestibular geralmente ocorrem nas pessoas que têm
sido aprovadas, e nunca nas que foram reprovadas nele. Quando o sonho é do tipo
que se chama “recorrente”, é quando o sujeito teve um sonho pela primeira vez
na infância e depois ele reaparece constantemente, de tempos em tempos, durante
o sono adulto. Os sonhos típicos sobre a morte de parentes queridos,
encontramos realizada a situação extremamente incomum de um pensamento onírico
formado por um desejo recalcado (da morte), que foge inteiramente à censura e
passa para o sonho sem modificação.
As fontes
somáticas de estimulação durante o sono (isto é, as sensações durante o sono),
a menos que sejam de intensidade incomum, desempenham na formação dos sonhos
papel semelhante ao desempenhado pelas impressões recentes, mas irrelevantes,
deixadas pelo dia anterior. Ou seja, creio que elas são introduzidas para
ajudar na formação de um sonho caso se ajustem apropriadamente ao conteúdo de
representações derivado das fontes psíquicas do sonho, mas não de outra forma.
Dessa maneira, podemos explicar o fato de o conteúdo onírico proporcionado por
estímulos somáticos de intensidade não incomum deixar de aparecer em todos os
sonhos ou todas as noites.
Quando alguma
coisa num sonho tem o caráter de discurso direto, isto é, quando é dita ou
ouvida e não simplesmente pensada (e é fácil, em geral, estabelecer a distinção
com segurança), então isso provém de algo realmente falado na vida de vigília —
embora, por certo, esse algo seja meramente alterado e, mais especialmente,
desligado de seu contexto.
O fenômeno da
distorção dos sonhos: quando nós temos um sonho e não queremos interpretá-lo ou
lembrá-lo é porque estamos tentando esconder ou não queremos enfrentar algo que
estávamos combatendo, estava recalcado no nosso inconsciente. Nos casos em que
a realização de desejo é irreconhecível, em que é disfarçada, deve ter havido
alguma inclinação para se erguer uma defesa contra o desejo; e, graças a essa
defesa, o desejo é incapaz de se expressar, a não ser de forma distorcida.
Podemos, portanto, supor que os sonhos recebem sua forma em cada ser humano
mediante a ação de duas forças psíquicas (ou podemos descrevê-las como
correntes ou sistemas) e que uma dessas forças constrói o desejo que é expresso
pelo sonho, enquanto a outra exerce uma censura sobre esse desejo onírico e,
pelo emprego dessa censura, acarreta forçosamente uma distorção na expressão do
desejo.
Quando temos em
mente que os pensamentos oníricos latentes não são conscientes antes de se
proceder a uma análise, ao passo que o conteúdo manifesto do sonho é
conscientemente lembrado, parece plausível supor que o privilégio fruído pela
segunda instância seja o de permitir que os pensamentos penetrem na
consciência. Nada, ao que parece, pode atingir a consciência a partir do
primeiro sistema sem passar pela segunda instância; e a segunda instância não
permite que passe coisa alguma sem exercer seus direitos e fazer as
modificações que julgue adequadas no pensamento que busca acesso à consciência.
Convém notar que o afeto vivenciado no sonho pertence a seu conteúdo latente, e
não ao conteúdo manifesto, e que o conteúdo afetivo do sonho permaneceu
intocado pela distorção que se apoderou de seu conteúdo de representações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário e cadastre-se no Blog!