20/04/2019

Interpretação dos Sonhos – Parte 1


Introdução
“O sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente”, escreveu Freud em sua obra-prima A Interpretação dos Sonhos (Die Traumdeutung) . O livro levou dois anos (1898 e 1899) para ser escrito e nele Freud edificou os principais fundamentos da teoria psicanalítica, constituindo como o ponto de apoio para todo o desenvolvimento posterior da sua obra.. Para Freud, a essência do sonho é a realização de um desejo infantil reprimido. E foi a partir desse princípio que ele elaborou as bases do método psicanalítico.
Antes de Freud, os sonhos eram considerados apenas símbolos, analisados como se fossem premonições ou manifestações divinas. Freud, por meio da análise dos sonhos, mostrou a existência do inconsciente e transformou algo tido pela ciência como o lixo do pensamento, no caso os sonhos, em um instrumento revelador da personalidade humana. Os sonhos mostram uma clara preferência pelas impressões dos dias imediatamente anteriores. Têm à sua disposição as impressões mais primitivas da nossa infância e até fazem surgir detalhes desse período de nossa vida que, mais uma vez, parecem-nos triviais e que, em nosso estado de vigília, acreditamos terem caído no esquecimento há muito tempo.
Para que um sonho seja interpretado é necessário que não tentemos entendê-lo de uma só vez, na sua totalidade, pois devido a ser formado no inconsciente só existe afetos e fragmentos da realidade, logo muito confuso no primeiro momento. Devemos dividi-lo em partes de acordo com o contexto do paciente e vamos decifrando-o lentamente sem adotar um critério cartesiano, pois o mesmo fragmento de um conteúdo pode ocultar um sentido diferente quando ocorre em várias pessoas ou em situações diferentes.
O sonho é justamente o fenômeno da vida psíquica normal em que os processos inconscientes da mente são revelados de forma bastante clara e acessível ao estudo. Na concepção freudiana, o sonho é um produto da atividade do Inconsciente e que tem sempre um sentido intencional, a saber: a realização ou a tentativa de realização - mais ou menos dissimulada, de uma tendência reprimida. Assim, os sonhos revelam a verdadeira natureza do homem, embora não toda a sua natureza, e constituem um meio de tornar o interior oculto da mente acessível a nosso conhecimento.
O sonho e as histéricas iniciam a psicanálise, dão-lhe, com Freud, o sopro inicial. Na Teoria dos Campos, é claro, também se pensa o sonho. Despertos, nossos atos, ideias, sentimentos arranjam-se segundo as linhas de força que, ao dormir, emergirão como um episódio onírico. Nossa identidade, com seus “Eus” em diálogo ou disputa, é composta de enredos que melhor se apreciam nos sonhos. As personagens de tais enredos povoam também nossa realidade, esgueirando-se entre os objetos do dia a dia, encarnando-se num amigo, numa pessoa que nos desperta a paixão, em nós mesmos. Sonho após sonho se fazem presentes; até que um desses nos permita interpretar seu sentido e despertar do sonho em que estávamos imersos.
O sonho pode deixar-nos tocar a rosa que vemos — e, ainda assim, estaremos sonhando. Existe um critério para determinar se estamos sonhando ou acordados, e esse é o critério puramente empírico do fato de acordarmos. Tudo o que experimentamos entre adormecer e acordar é ilusório quando, ao despertar, verificamos que estamos deitados na cama. Durante o sono, tomamos as imagens oníricas por imagens reais graças ao nosso hábito mental (que não pode ser adormecido) de supor a existência de um modo externo com o qual estabelecemos um contraste com o nosso ego.
Assim sendo, a interpretação dos sonhos desvela, sobretudo, os conteúdos mentais, pensamentos, dados e experiências que foram reprimidos ou recalcadas, excluídos da consciência pelas atividades de defesa do ego e superego e enviadas para o inconsciente. A parte do id cujo acesso à consciência foi impedido, é exatamente a que se encontra envolvida na origem das neuroses. Portanto, o interesse de Freud pelos sonhos teve origem no fato de constituírem eles processos normais, com os quais todos estão familiarizados, mas que exemplificam processos atuantes na formação dos sintomas neuróticos. Surge o sonho, via de regra, numa zona congestionada do entrelaçamento dos campos, de onde resulta que seu conteúdo exprima regras atinentes a distintos temas psíquicos simultaneamente; por isso não possui um só sentido latente, mas uma rede de significações emocionais, o sonho é um momento diagnóstico por excelência, identifica o sujeito.
Não é absurdo pedir explicações e associações ao paciente que conta um sonho, quer dizer, tratar o sonho como episódio distinto e fenômeno isolável. Faça isso quando achar oportuno, mas não se esqueça que a forma pela qual o sonho foi narrado e o conjunto inteiro das idéias que o cercam, ainda e sobretudo se não lhe parecem conectadas, são associações também, potencialmente. Com o sonhador, o analista sonha empaticamente, deixando-se levar pela iluminação que o sonho propicia, sem pressa, esperando que a precipitação insemine-lhe as idéias, para poder operar no mesmo ritmo do campo onírico.
O sonho é uma defesa do sono, a isso pode acrescentar-se que o sonho aberto, essa história visual que se vive de noite e se conta de dia, é a oportunidade para sair de um sonho, da surda corrente subterrânea dos temas de que o sonho trata, cuja lógica preside ocultamente a vigília, até que se possa manifestar num episódio constituído, ganhando estatuto de consciência. Segundo Freud, não existe nenhum fundamento nos fatos de que os sonhos tem o poder de adivinhar o futuro e nos sonhos não existem sentimentos morais.
Como existe uma forte tendência a se esquecer um sonho, por obra da resistência, e quase todos assim se perdem, a função do analista é também de recordação. Ele tem a função de manter o sonho à tona por um tempo mais longo do que espontaneamente se daria e por acompanhar seu movimento de disseminação e nova concentração, e não é uma tarefa fácil, pois em nós também operam resistências.

Fragmentos da Pré-História dos Sonhos
A visão pré-histórica dos sonhos sem dúvida ecoou na atitude adotada para com os sonhos pelos povos da Antiguidade clássica. Eles aceitavam como axiomático que os sonhos estavam relacionados com o mundo dos seres sobre-humanos nos quais acreditavam, e que constituíam revelações de deuses e demônios. Não havia dúvida, além disso, de que, para aquele que sonhava, os sonhos tinham uma finalidade importante, que era, via de regra, predizer o futuro. A extraordinária variedade no conteúdo dos sonhos e na impressão que produziam dificultava, todavia, ter deles qualquer visão uniforme, e tornava necessário classificá-los em numerosos grupos e subdivisões conforme sua importância e fidedignidade. A posição adotada perante os sonhos por filósofos isolados na Antiguidade dependia, naturalmente, até certo ponto, da atitude destes em relação à adivinhação em geral.
Nas duas obras de Aristóteles que versam sobre os sonhos, ele já se tornaram objeto de estudo psicológico. Informam-nos as referidas obras que os sonhos não são enviados pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são “demoníacos”, visto que a natureza é “demoníaca”, e não divina. Os sonhos, em outras palavras, não decorrem de manifestações sobrenaturais, mas seguem as leis do espírito humano, embora este, é verdade, seja afim do divino. Definem-se os sonhos como a atividade mental de quem dorme, na medida em que esteja adormecido.
Aristóteles estava ciente de algumas características da vida onírica. Sabia, por exemplo, que os sonhos dão uma construção ampliada aos pequenos estímulos que surgem durante o sono. “Os homens pensam estar caminhando no meio do fogo e sentem um calor enorme, quando há apenas um pequeno aquecimento em certas partes.” E dessa circunstância infere ele a conclusão de que os sonhos podem muito bem revelar a um médico os primeiros sinais de alguma alteração corporal que não tenha sido observada na vigília.
Antes da época de Aristóteles, como sabemos, os antigos consideravam os sonho não como um produto da mente que sonhava, mas como algo introduzido por uma instância divina; e, já então, as duas correntes antagônicas que iremos encontrar influenciando as opiniões sobre a vida onírica em todos os períodos da história se faziam sentir. Traçou-se a distinção entre os sonhos verdadeiros e válidos, enviados ao indivíduo adormecido para adverti-lo ou predizer-lhe o futuro, e os sonhos vãos, falazes e destituídos de valor, cuja finalidade era desorientá-lo ou destruí-lo.
Nos sonhos está a verdade: nos sonhos aprendemos a conhecer-nos tal como somos, a despeito de todos os disfarces que usamos perante o mundo, sejam eles enobrecedores ou humilhantes. O homem honrado não pode cometer um crime nos sonhos, ou, se o fizer, ficará tão horrorizado com isso como com algo contrário à sua natureza. Um imperador romano poderia condenar à morte um homem que sonhara ter assassinado o governante pois estaria justificado em fazê-lo, se raciocinasse que os pensamentos que se têm nos sonhos também se têm quando em estado de vigília. A expressão corriqueira ‘eu nem sonharia em fazer tal coisa’ tem um significado duplamente correto, quando se refere a algo que não pode encontrar guarida em nosso coração nem em nossa mente. Platão, ao contrário, considerava que os melhores homens são aqueles que apenas sonham com o que os outros fazem em sua vida de vigília.
“É impossível pensar em qualquer ato de um sonho cuja motivação original não tenha passado, de um modo ou de outro — fosse como desejo, anseio ou impulso —, através da mente desperta.” Devemos admitir, prossegue Hildebrandt, que esse impulso original não foi inventado pelo sonho; o sonho simplesmente o copiou e desdobrou, meramente elaborou de forma dramática um fragmento de material histórico que encontrou em nós; meramente dramatizou as palavras do Apóstolo: “Todo aquele que odeia seu irmão é assassino.” [1 João 3, 15.] E embora, depois de acordarmos, conscientes da nossa força moral, possamos sorrir de toda a elaborada estrutura do sonho pecaminoso, mesmo assim o material original de que derivou a estrutura não conseguirá despertar um sorriso. Sentimo-nos responsáveis pelos erros do sonhador — não por sua totalidade, mas por uma certa percentagem. “Em suma, se compreendemos, nesse sentido quase incontestável, as palavras de Cristo, de que ‘do coração procedem os maus pensamentos’ [Mateus 15, 19], dificilmente escaparemos à convicção de que um pecado cometido num sonho traz em si pelo menos um mínimo obscuro de culpa.
Robert descreve os sonhos como “um processo somático de excreção do qual nos tornamos cônscios em nossa reação mental a ele”. Os sonhos são excreções de pensamentos que foram sufocados na origem. “Um homem privado da capacidade de sonhar ficaria, com o correr do tempo, mentalmente transtornado, pois uma grande massa de pensamentos incompletos e não elaborados e de impressões superficiais se acumularia em seu cérebro e, por seu grande volume, estaria fadada a sufocar os pensamentos que deveriam ser assimilados em sua memória como conjuntos completos.” Os sonhos servem de válvula de escape para o cérebro sobrecarregado. Possuem o poder de curar e aliviar.
Até meados do século XIX, os sonhos eram interpretados de acordo com os códigos das tradicionais "Chaves dos sonhos" que os viam como uma previsão do futuro. Seria necessária a intuição de alguns médicos alienistas e a audácia de alguns escritores para pressentir que o sonho fala sonhador sobre ele próprio. Mas antes de Freud, o conteúdo da mensagem permanecia indecifrável.
Por seu título e conteúdo, onde os sonhos são vistos como uma linguagem premonitória sobrenatural, ele se inscreve numa leitura tradicional do onírico. No passado, a leitura encontra sua fonte na crença de que os sonhos são enviados por Deus, pouco a pouco colado a uma dimensão mágica (na melhor das hipóteses) ou satânica (na pior). A etimologia da palavra "cauchemar" (pesadelo) é reveladora desse deslocamento, "cocher" significa em francês arcaico "chevaucher" (cavalgar): o corpo do sonhador possuído pelo pesadelo é cavalgado pelos demônios. Incluído nesse feixe de superstições, o sonho é estranho ao sonhador, ele é enviado por um "outro", cuja identidade não é nunca conhecida. Ele tem o papel de mensageiro que força a olhar o futuro através de seu prisma.
Esta vitalidade de práticas ligadas à superstição revela certa inércia de idéias. Ela prova um desconhecimento completo da natureza do imaginário noturno. Só a reflexão teológica sobre a responsabilidade moral do sonhador (assaltado de maus pensamentos ou de imagens eróticas que provocam ejaculações noturnas) tem o mérito de relacionar o indivíduo e o sonho que ele forma, tão estranhos um ao outro nas crenças populares.
Quanto ao povo, este recorre aos ciganos, que eram perseguidos por ler os sonhos e punidos pelo código penal com uma multa de onze a quinze francos e prisão de cinco dias em caso de reincidência.
No entanto, a moda da oniromancia declina na segunda metade do século. Várias razões podem, com cautela, ser levantadas. A mestiçagem das populações sob o efeito da revolução industrial e o êxodo rural que se segue contribuem para cortar a ligação com as crenças ancestrais. O progresso da instrução trabalha para desenraizar as superstições. A descristianização e recristianização contribuem ambas para matar a figura de Satã e seus acólitos.
Por fim, todo um arsenal legislativo reforça a proibição de interpretar sonhos suscetíveis de favorecer os delírios de grandeza e as revoltas. As adivinhadoras perdem assim seu mistério: elas não são mais perseguidas por exercício de bruxaria, mas por abuso de confiança. Uma precaução política que priva o sonho de toda qualidade sobrenatural, sem, por isso, lhe fornecer uma nova identidade.
Através da droga, atingir o sonho, uma escapada bem voluptuosa. Mas também se trata de ultrapassar a condição humana e alimentar a criação. "O haxixe será, para as impressões e os pensamentos familiares do homem, um espelho exacerbador, mas um puro espelho", escreve Baudelaire. A precisão da transcrição nos diários, as trocas epistolares, exprimem o interesse profundo e crescente pelo onírico. Essas narrativas desenham um caminho que leva à descoberta do inconsciente, mas ela é lenta pois vai de encontro às resistências cristalizadas em torno da suscetibilidade narcísica do sonhador.
Freud no livro A Interpretação dos Sonhos relatou, “É difícil escrever uma história do estudo científico dos problemas dos sonhos porque, por mais valioso que tenha sido esse estudo em alguns pontos, não se pode traçar nenhuma linha de progresso em qualquer direção específica. Não se lançou nenhum fundamento de descobertas seguras no qual um pesquisador posterior pudesse edificar algo; ao contrário, cada novo autor examina os mesmos problemas de novo e recomeça, por assim dizer, do início.”.

Fragmentos da teoria de interpretação dos sonhos
Foi no decorrer dos estudos psicanalíticos que Freud se deparou com a interpretação dos sonhos. Seus pacientes assumiram o compromisso de lhe comunicar todas as idéias ou pensamentos que lhes ocorressem em relação a um assunto específico, e entre outras coisas, narravam os seus sonhos. Assim ensinaram a Freud que o sonho pode ser inserido na cadeia psíquica a ser retrospectivamente rastreada na memória a partir de uma idéia patológica. Freud disse que todo psicólogo é obrigado a confessar até mesmo suas próprias fraquezas, se acreditar que assim lança luz sobre algum problema obscuro.
Enquanto Freud tratava Frau Emmy von N., em 1889-1890, descobriu que ela apresentava espontaneamente os seus sonhos um material descritivo significativo. Tendo já descoberto a transferência, a resistência e a necessidade de um ego autônomo em terapia, Freud abandonou a hipnose, que criava distorções e adicionava complicações a esses fatores essenciais, e voltou-se para a livre associação e o método que conhecemos como psicanálise. Freud usou então o sonho como ponto de partida para associações que, em última instância, conduziam até as idéias inconscientes que se ocultavam atrás de sintomas e sonhos e eram responsáveis por ambos. Pela primeira vez, o significado dos sonhos era cientificamente abordado.
Todo material que compõe o conteúdo de um sonho é derivado, de algum modo, da experiência, ou seja, foi reproduzido ou lembrado no sonho. É possível que surja, no conteúdo de um sonho, um material que, no estado de vigília, não reconheçamos como parte de nosso conhecimento de nossa vigília, ou de nossa experiência. Lembramo-nos, naturalmente, de ter sonhado com a coisa em questão, mas não conseguimos lembrar se, ou quando, a experimentamos na vida real. Ficamos assim em dúvida quanto à fonte a que recorreu o sonho e sentimo-nos tentados a crer que os sonhos possuem uma capacidade de produção independente. Então, finalmente, muitas vezes após um longo intervalo, alguma nova experiência relembra a recordação perdida do outro acontecimento e, ao mesmo tempo, revela a fonte do sonho. Somos assim levados a admitir que, no sonho, sabíamos e nos recordávamos de algo que estava além do alcance de nossa memória de vigília.
As emoções profundas da vida de vigília, as questões e os problemas pelos quais difundimos nossa principal energia mental voluntária, não são os que costumam se apresentar de imediato à consciência onírica. No que diz respeito ao passado imediato, são basicamente as impressões corriqueiras, casuais e `esquecidas’ da vida cotidiana que reaparecem em nossos sonhos. As atividades psíquicas mais intensamente despertas são as que dormem mais profundamente. Isso nos chama a atenção para o fato de os afetos nos sonhos não poderem ser julgados da mesma forma que o restante de seu conteúdo; e nos confrontamos com o problema de determinar que parte dos processos psíquicos que ocorrem nos sonhos deve ser tomada como real, isto é, que parte tem o direito de figurar entre os processos psíquicos da vida de vigília.
Existem quatro tipos de fontes de sonho:
1. Excitações sensoriais externas (objetivas): todo ruído indistintamente percebido provoca imagens oníricas correspondentes (ex.: trovoada, cantar de um galo, etc.…); sensações de frio, calor, etc. (ex.: vontade de urinar, partes do corpo descobertas, etc..).
2. Excitações sensoriais internas (subjetivas) dos órgãos dos sentidos: excitações subjetivas da retina, alucinações hipnagógicas ou fenômenos visuais imaginativos.
3.Estímulos somáticos internos (orgânicos): distúrbios dos órgãos internos (ex.: causa sonhos de angústia).
4. Fontes psíquicas de estimulação: material importante para chegar no inconsciente, necessário para o tratamento psicanalítico.
Existem diversas causas para o nosso esquecimento dos sonhos. Geralmente esquecemos o que ocorre somente uma vez. Temos dificuldade em se lembrar o que é desordenado e confuso. Não damos importância significativa aos nossos sonhos. Consideramos o sonho algo enigmático e inexplicado.
Embora seja verdade que os sonhos devem uma parte do seu conteúdo ao evento mental corrente, o resíduo do dia não é suficiente para produzi-los. Um sonho só se forma quando o evento corrente estabelece contato com um impulso do passado, especificamente com um desejo infantil. A experiência subjetiva que aparece na consciência durante o sono e que, após o despertar, chamamos de sonho, é apenas o resultado final de uma atividade mental inconsciente durante esse processo fisiológico que, por sua natureza ou intensidade, ameaça interferir com o próprio sonho. Ao invés de acordar, a pessoa sonha. Dormimos porque sonhamos em vez de sonhamos porque dormimos.
Os sonhos das crianças pequenas são frequentemente pura realização de desejos e são, nesse caso, muito desinteressantes se comparados com os sonhos dos adultos. Não levantam problemas para serem solucionados, mas, por outro lado, são de inestimável importância para provar que, em sua natureza essencial, os sonhos representam realizações de desejos. É possível que os sonhos aflitivos e os sonhos de angústia nos adultos, uma vez interpretados, revelem-se como realizações de desejos.
O sonho é a realização de um desejo, um temor realizado, uma reflexão ou uma lembrança. O sonho de conveniência, satisfaz seus desejos e necessidades. A transformação de representações em alucinações não é o único aspecto em que os sonhos diferem de pensamentos correspondentes na vida de vigília. Os sonhos constroem uma situação a partir dessas imagens; representam um fato que está realmente acontecendo, eles “dramatizam” uma ideia. Mas essa faceta da vida onírica só pode ser plenamente compreendida se reconhecermos, além disso, que nos sonhos — via de regra, pois há exceções que exigem um exame especial — parecemos não pensar, mas ter uma experiência: em outras palavras, atribuímos completa crença às alucinações. Somente ao despertarmos é que surge o comentário crítico de que não tivemos nenhuma experiência, mas estivemos apenas pensando de uma forma peculiar, ou, dito de outra maneira, sonhando. É essa característica que distingue os verdadeiros sonhos do devaneio, que nunca se confunde com a realidade.
Vamos ver um exemplo de sonho de desejo interpretado por Freud: Aventurei-me a interpretar — sem nenhuma análise, mas apenas por meio de um palpite — um pequeno episódio ocorrido com um amigo meu que frequentara a mesma classe que eu durante todo o nosso curso secundário. Um dia, ele ouviu uma palestra que proferi perante um pequeno auditório sobre a ideia inédita de que os sonhos eram realizações de desejos. Foi para casa e sonhou que perdera todos os seus casos (ele era advogado), e depois me contestou nesse assunto. Fugi à questão, dizendo-lhe que, afinal de contas, não se podem ganhar todos os casos. Mas pensei comigo mesmo: “Considerando que, por oito anos a fio, sentei-me no banco da frente como primeiro da classe, enquanto ele ficava ali pelo meio, ele dificilmente pode deixar de alimentar um desejo, remanescente de seus tempos de escola, de que mais dia menos dia, eu venha a me tornar um completo fracasso.”
O trabalho do sonho está sujeito a uma espécie de exigência de combinar todas as fontes que agiram como estímulos ao sonho numa única unidade no próprio sonho. Os sonhos nunca dizem respeito a trivialidades: não permitimos que nosso sono seja perturbado por tolices. Os sonhos aparentemente inocentes revelam ser justamente o inverso quando nos damos ao trabalho de analisá-los. A fonte de um sonho pode ser:
a) Uma experiência recente e psiquicamente significativa, que é diretamente representada no sonho.
b) Várias experiências recentes e significativas, combinadas numa única unidade pelo sonho.
c) Uma ou mais experiências recentes e significativas, representadas no conteúdo do sonho pela menção a uma experiência contemporânea, mas irrelevante.
d) Uma experiência significativa interna (por exemplo, uma lembrança ou um fluxo de ideias), que é, nesse caso, invariavelmente representada no sonho por uma menção a uma impressão recente, irrelevante.
Os sonhos muito frequentes, por terem como tema a frustração de um desejo ou a ocorrência de algo claramente indesejado, podem ser reunidos sob o título de “sonhos com o oposto do desejo”. Estes sonhos podem ser elaborados, quando um paciente se encontra num estado de resistência ao analista. O segundo motivo para os sonhos com o oposto do desejo está estabelecido em um componente masoquista na constituição sexual de muitas pessoas, que decorre da inversão de um componente agressivo e sádico em seu oposto, pois os sonhos desprazerosos são, ainda assim, realizações de desejos, pois satisfazem suas inclinações masoquistas. Após estas explicações chegamos a conclusão que o sonho é uma realização (disfarçada) de um desejo (suprimido ou recalcado.)
Os sonhos de angústia são abordados como uma subespécie particular dos sonhos de conteúdo aflitivo. A angústia neurótica se origina da vida sexual e corresponde à libido que se desviou de sua finalidade e não encontrou aplicação. Os sonhos de angústia são sonhos de conteúdo sexual cuja respectiva libido se transformou em angústia. É também instrutivo considerar a relação desses sonhos com os sonhos de angústia. Um desejo recalcado encontrou um meio de fugir à censura — e à distorção que a censura implica. O resultado invariável disso é que se experimentam sentimentos dolorosos no sonho. Da mesma forma, os sonhos de angústia só ocorrem quando a censura é total ou parcialmente subjugada; e, por outro lado, a subjugação da censura é facilitada nos casos em que a angústia já foi produzida como uma sensação imediata decorrente de fontes somáticas. Assim, podemos ver claramente a finalidade para a qual a censura exerce sua função e promove a distorção dos sonhos: ela o faz para impedir a produção de angústia ou de outras formas de afeto aflitivo.
A “angústia de prestar exames” dos neuróticos deve sua intensificação a esses mesmos medos infantis. Os sonhos com o Vestibular geralmente ocorrem nas pessoas que têm sido aprovadas, e nunca nas que foram reprovadas nele. Quando o sonho é do tipo que se chama “recorrente”, é quando o sujeito teve um sonho pela primeira vez na infância e depois ele reaparece constantemente, de tempos em tempos, durante o sono adulto. Os sonhos típicos sobre a morte de parentes queridos, encontramos realizada a situação extremamente incomum de um pensamento onírico formado por um desejo recalcado (da morte), que foge inteiramente à censura e passa para o sonho sem modificação.
As fontes somáticas de estimulação durante o sono (isto é, as sensações durante o sono), a menos que sejam de intensidade incomum, desempenham na formação dos sonhos papel semelhante ao desempenhado pelas impressões recentes, mas irrelevantes, deixadas pelo dia anterior. Ou seja, creio que elas são introduzidas para ajudar na formação de um sonho caso se ajustem apropriadamente ao conteúdo de representações derivado das fontes psíquicas do sonho, mas não de outra forma. Dessa maneira, podemos explicar o fato de o conteúdo onírico proporcionado por estímulos somáticos de intensidade não incomum deixar de aparecer em todos os sonhos ou todas as noites.
Quando alguma coisa num sonho tem o caráter de discurso direto, isto é, quando é dita ou ouvida e não simplesmente pensada (e é fácil, em geral, estabelecer a distinção com segurança), então isso provém de algo realmente falado na vida de vigília — embora, por certo, esse algo seja meramente alterado e, mais especialmente, desligado de seu contexto.
O fenômeno da distorção dos sonhos: quando nós temos um sonho e não queremos interpretá-lo ou lembrá-lo é porque estamos tentando esconder ou não queremos enfrentar algo que estávamos combatendo, estava recalcado no nosso inconsciente. Nos casos em que a realização de desejo é irreconhecível, em que é disfarçada, deve ter havido alguma inclinação para se erguer uma defesa contra o desejo; e, graças a essa defesa, o desejo é incapaz de se expressar, a não ser de forma distorcida. Podemos, portanto, supor que os sonhos recebem sua forma em cada ser humano mediante a ação de duas forças psíquicas (ou podemos descrevê-las como correntes ou sistemas) e que uma dessas forças constrói o desejo que é expresso pelo sonho, enquanto a outra exerce uma censura sobre esse desejo onírico e, pelo emprego dessa censura, acarreta forçosamente uma distorção na expressão do desejo.
Quando temos em mente que os pensamentos oníricos latentes não são conscientes antes de se proceder a uma análise, ao passo que o conteúdo manifesto do sonho é conscientemente lembrado, parece plausível supor que o privilégio fruído pela segunda instância seja o de permitir que os pensamentos penetrem na consciência. Nada, ao que parece, pode atingir a consciência a partir do primeiro sistema sem passar pela segunda instância; e a segunda instância não permite que passe coisa alguma sem exercer seus direitos e fazer as modificações que julgue adequadas no pensamento que busca acesso à consciência. Convém notar que o afeto vivenciado no sonho pertence a seu conteúdo latente, e não ao conteúdo manifesto, e que o conteúdo afetivo do sonho permaneceu intocado pela distorção que se apoderou de seu conteúdo de representações.

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