20/04/2019

UMA BREVE DESCRIÇÃO DA PSICANÁLISE (1924 [1923]) – Parte 1


Pode-se dizer que a psicanálise nasceu com o século XX, pois a publicação em que ela emergiu perante o mundo como algo novo — A Interpretação de Sonhos — traz a data ‘1900’. Porém, como bem se pode supor, ela não caiu pronta dos céus. Teve seu ponto de partida em idéias mais antigas, que ulteriormente desenvolveu; originou-se de sugestões anteriores, as quais elaborou. Qualquer história a seu respeito deve, portanto, começar por uma descrição das influências que determinaram sua origem, e não desprezar a época e as circunstâncias que precederam sua criação.
            A psicanálise cresceu num campo muitíssimo restrito. No início, tinha apenas um único objetivo — o de compreender algo da natureza daquilo que era conhecido como doenças nervosas ‘funcionais’, com vistas a superar a impotência que até então caracterizara seu tratamento médico. Os neurologistas daquele período haviam sido instruídos a terem um elevado respeito por fatos químico-físicos e patológico-anatômicos e estavam ultimamente sob a influência dos achados de Hitzig e Fritsch, de Ferrier, Goltz e outros, que pareciam ter estabelecido uma vinculação íntima e possivelmente exclusiva entre certas funções e partes específicas do cérebro. Eles não sabiam o que fazer do fator psíquico e não podiam entendê-lo. Deixavam-no aos filósofos, aos místicos e — aos charlatães; e consideravam não científico ter qualquer coisa a ver com ele. Por conseguinte, não podiam encontrar qualquer abordagem aos segredos das neuroses, e, em particular, da enigmática ‘histeria’, que, na verdade, era o protótipo de toda a espécie. Já em 1885, quando eu estava estudando na Salpêtrière, descobri que as pessoas se contentavam em explicar as paralisias histéricas através de uma fórmula que asseverava serem elas fundadas em ligeiros distúrbios funcionais das mesmas partes do cérebro que, quando gravemente danificadas, levavam às paralisias orgânicas correspondentes.
            Naturalmente, essa falta de compreensão afetava também bastante o tratamento desses estados patológicos. Em geral, ele consistia em medidas destinadas a ‘endurecer’ o paciente — na prescrição de remédios e em tentativas, na maioria, muito mal imaginadas e executadas de maneira inamistosa, de aplicar-lhe influências mentais por meio de ameaças, zombarias e advertências, e exortando-o a decidir-se a ‘conter-se’. O tratamento elétrico era fornecido como sendo uma cura específica para estados nervosos; porém, todo aquele que se tenha esforçado por cumprir as instruções pormenorizadas de Erb [1882], tem de maravilhar-se com o espaço que a fantasia pode ocupar mesmo naquilo que professa ser uma ciência exata. A guinada decisiva foi dada na década de 1880, quando os fenômenos do hipnotismo fizeram mais uma tentativa de buscar admissão à ciência médica — dessa vez com mais sucesso do que tantas vezes antes, graças ao trabalho de Liébeault, Bernheim, Heidenhain e Forel. O essencial foi ter sido reconhecida a genuinidade desses fenômenos. Uma vez isso admitido, duas lições fundamentais e inesquecíveis não podiam deixar de ser extraídas do hipnotismo. Em primeiro lugar, recebia-se prova convincente de que notáveis mudanças somáticas afinal de contas podiam ser ocasionadas unicamente por influências mentais, as quais, nesse caso, nós próprios tínhamos colocado em movimento. Em segundo, recebia-se a impressão mais clara — especialmente do comportamento dos indivíduos após a hipnose — da existência de processos mentais que só se poderia descrever como ‘inconscientes’. O ‘inconsciente’, é verdade, há muito tempo estivera sob discussão entre os filósofos como conceito teórico, mas agora, pela primeira vez, nos fenômenos do hipnotismo ele se tornava algo concreto, tangível e sujeito a experimentação. Independentemente de tudo isso, os fenômenos hipnóticos mostravam uma semelhança inequívoca com as manifestações de algumas neuroses. Não é fácil superestimar a importância do papel desempenhado pelo hipnotismo na história da origem da psicanálise. Tanto de um ponto de vista teórico quanto terapêutico a psicanálise teve às suas ordens um legado que herdou do hipnotismo. A hipnose também provou ser um auxílio valioso no estudo das neuroses — mais uma vez, primeiro e acima de tudo, da histeria. Os experimentos de Charcot criaram grande impressão. Suspeitou ele que certas paralisias ocorridas após um trauma (um acidente) eram de natureza histérica, e demonstrou que, pela sugestão de um trauma sob hipnose, podia provocar artificialmente paralisias do mesmo tipo. Surgiu assim a expectativa de que as influências traumáticas poderiam, em todos os casos, ter um desempenho na produção dos sintomas histéricos. O próprio Charcot não fez outros esforços no sentido de uma compreensão psicológica da histeria, mas seu aluno, Pierre Janet, retomou a questão e pôde demonstrar, com o auxílio da hipnose, que os sintomas da histeria eram firmemente dependentes de certos pensamentos inconscientes (idées fixes). Janet atribuiu à histeria uma suposta incapacidade constitucional de manter reunidos processos mentais — incapacidade que levava a uma desintegração (dissociação) da vida mental.

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