O.E. Brasil[1]
Desde que se começou a estudar o tema Orientação Educacional de forma sistemática até os dias de hoje, muitas mudanças se verificaram nessa área, como reflexos das próprias mudanças que ocorreram nas sociedades. Essas mudanças foram ocasionadas por vários movimentos, por transformações rápidas e profundas nos diferentes campos do conhecimento que, evidentemente, repercutiram, também, na escola.
A complexidade da vida atual, a aceleração técnico científica, as transformações sociais e econômicas foram, pouco a pouco, ampliando e modificando o papel da escola e a posição do indivíduo dentro dela e da sociedade. Tem sido uma preocupação constante dos educadores, hoje, e em especial dos orientadores educacionais, analisar a serviço de quem e para quem serve a orientação educacional.
Na medida em que essa especialização sofreu uma transformação em seus conceitos, parece-nos necessário refletir sobre essa área, partindo dos próprios conceitos que a caracterizaram em seus diferentes momentos históricos.
Segundo GRINSPUN, (1986, p. 96), a evolução do conceito de Orientação Educacional, no Brasil, está estreitamente vinculada a cinco períodos marcantes:
• Período Implementador (de 1920 a 1941);
• Período Institucional, subdividido em Período Funcional (de 1942 a 1950) e Período Instrumental (de 1951 a 1960);
• Período Transformador (de 1961 a 1970);
• Período Disciplinador (de 1971 a 1980);
• Período Questionador (a partir de 1980).
Seguindo o pensamento de Grinspun (1986) como referencial para esse tópico de estudo, no Período Implementador, “o conceito de Orientação Educacional era o conceito importado de uma orientação nitidamente vocacional”(p. 96). O objetivo básico da Orientação Educacional, nesse período, era a seleção para o treinamento profissional, adotando, como estratégias, as técnicas psicométricas, cujos resultados eram devolvidos aos alunos sob a forma de “perfis profissionais”.
O orientador educacional desenvolveu, nesse período, o papel de “Técnico em Seleção”. Algumas tentativas de adaptar ao contexto brasileiro as baterias de testes importadas, sobretudo dos Estados Unidos, ocorreram nessa fase, sem realmente, uma efetivação significativa.
A Orientação Educacional Métrico-Profissional, conforme conceituação nesse período estava intimamente relacionada com as oportunidades profissionais existentes na sociedade brasileira e contribuía, com empenho, para o desenvolvimento do modelo socioeconômico existente, adequando, da melhor forma possível, o jovem estudante às profissões disponíveis. (BONFIM, 1981, p. 21)
O segundo período, o institucional, caracterizou-se, no dizer de Grinspun (1986), pelo surgimento da Orientação Educacional na legislação brasileira. A obrigatoriedade da Orientação Educacional instituída, em primeiro lugar, para o Ensino Industrial (Decreto-lei nº 4073, 30/01/42), em seguida para:
- o Ensino Secundário (Decreto-lei nº 4244, 09/04/42);
- o Ensino Comercial (Decreto-lei nº 9614, 28/12/43) e, finalmente:
- o Ensino Agrícola (Decreto-lei nº 9693, 20/08/46), gerou a necessidade de formação profissional para essa função, o que veio a ser uma das preocupações básicas da Orientação Educacional, nessa época.
Durante esse período, foram organizados os três primeiros simpósios de Orientação Educacional no Brasil, realizados em 1957, 1958 e 1960. A Orientação Educacional Psico-sóciopedagógica, conceituação citada por Bonfim (1981, p. 22) para caracterizar as bases da Orientação Educacional, nesse período em que é instituída por lei, no Brasil, não se preocupava com a formação da personalidade do aluno em função de princípios morais e religiosos e nem, especificamente, com a sua adequação ao exercício da profissão.
Buscava, com bases científicas, alcançar o desenvolvimento integral da personalidade do educando, visando o seu ajustamento pessoal, escolar, e social. Nessa fase, o sucesso do orientador estava na dependência direta da sua compreensão da escola como um sistema social, a fim de determinar o tipo de ajuda que deveria oferecer e como oferecê-la. As contradições da própria sociedade não eram questionadas e as atividades de orientação eram marcadas por um cunho assistencial, cujo objetivo era o desenvolvimento integral das potencialidades do indivíduo.
Esta etapa passou a ser conhecida pelo nome de “Orientação Educacional Centrada no Aluno”, surgiu no cenário educacional, de forma ampla, nas Leis Orgânicas do Ensino e priorizava, como estratégia de atuação básica, o “Aconselhamento Stricto Sensu”, visto como “um processo de ajuda pessoa a pessoa, realizado diretamente pelo orientador educacional, individualmente ou em grupo” (LOFFREDI, 1976, p. 46). No Período Institucional Funcional, o orientador era visto como um catalisador de conflitos e, “o conceito de orientação estava diretamente relacionado com o caráter corretivo, isto é, dever-se-ia tratar o aluno nos seus diferentes campos: saúde, educação, família, etc.” (GRINSPUN, 1986, p.98).
A partir da década de 50 (Período Institucional Instrumental), começa a tomar vulto o caráter profilático[4] da Orientação Educacional, onde se pretendeu estender a orientação a todos os alunos da escola, na busca de prevenção de desajustes e comportamentos insatisfatórios.
Esse conceito perdurou até a década de 60, centrado em estratégias como sessões coletivas, onde eram discutidos e analisados, por meio da aplicação de técnicas de dinâmica de grupo, problemas de liderança, relacionamento, frustrações, agressões, etc. É a fase que priorizou o movimento psicanalítico e que se caracterizou, enquanto reflexo ideológico, por uma luta entre as teses liberais e desenvolvimentistas, em meio às quais a educação procurava um lugar próprio.
A Orientação Educacional Psicológica, caracterização citada por Bonfim, “percebia os problemas e / ou os desajustamentos individuais como uma questão puramente pessoal e valorizava a eficácia individual e o ajustamento pessoal e social” (1981, p. 29).
No início dos anos 60, assinala-se o eclodir de um novo período na Orientação Educacional que, por procurar transformar a orientação importada em uma orientação necessária à realidade brasileira, foi denominado por Grinspun (1986) de Período Transformador. Cria-se, nessa fase, a profissão do orientador educacional no Brasil, sistematizada pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que buscava delinear um campo próprio para a Orientação Educacional, além de reafirmar a sua obrigatoriedade e estabelecer normas para a formação desse profissional, por meio de diversos pareceres.
No final da década de 60, em 1968, a Lei nº 5562 preceitua em seu artigo 1º, que a Orientação Educacional seja realizada de maneira a integrar os elementos que exercem influência na formação do indivíduo, preparando-o para o exercício das opções básicas. A Orientação Educacional, passa então, a ser inserida no programa geral da escola, com vistas a favorecer um clima educativo saudável, pela interação das várias funções e papéis dos que faziam a comunidade escolar.
É ainda nesse período que o Conselho Federal de Educação, interpretando a Lei nº 5564 / 68, por meio do Parecer nº 252, de 11 de abril de 1969, e da Resolução nº 269, de 12 de maio de 1969, estabeleceu a formação do orientador educacional em nível de graduação, como uma das habilitações do curso de Pedagogia. Ainda nessa fase, é de importância ressaltar a diversificação dos objetivos da Orientação educacional, que se desloca do problema para a pessoa do orientando.
O Período Disciplinador nasce com a Lei nº 5692 / 71, que fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, nomenclatura da época para o que, hoje, envolve o ensino fundamental e médio.
Nessa fase, observa-se o esboçar de uma ênfase de adaptação às necessidades sociais e à formação profissional, tornando a Orientação Educacional não apenas obrigatória, como imprescindível. Em seu artigo 10, o aconselhamento vocacional, em cooperação com os professores, a família e a comunidade, veio fazer brotar uma nova fase em Orientação Educacional. O Parecer 339 / 72, que trata da significação da formação especial do currículo de 1º grau, apresenta as diferentes conotações que “qualificação para o trabalho” assume no ensino de 1º e 2º graus. No 1º grau, o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho e, no 2º grau, de habilitação profissional.
Respaldada pelo Decreto nº 72846 / 73, que regulamenta a Lei nº 5564 / 68, o exercício da função de orientador educacional põe em destaque a orientação vocacional detalhando-a desde a caracterização da comunidade, da escola e da clientela, ao processo de sondagem de interesses, aptidões e habilidades, à informação profissional, ao acompanhamento pós-escolar e à integração escola-família-comunidade.
A Orientação Educacional busca, mais uma vez, a sua inserção no contexto social, devendo o orientador, como coordenador do processo de escolha profissional, entrar em contato com o real sentido do trabalho inserido em uma sociedade de classes, passando a tomar consciência de sua função política, postura para a qual não se sentia e nem havia sido preparado. Nessa década de 70, surgem várias correntes ou concepções de Orientação Educacional.
Segundo Bonfim (1981), é a fase em que vamos encontrar nos escritos sobre Orientação Educacional no Brasil, uma “abordagem discipulocêntrica”, que se preocupava em propiciar oportunidades de individuação da educação, visando garantir a todos os alunos condições de formação de uma personalidade crítica e objetiva, favorecendo o desenvolvimento de cada aluno no sentido da construção responsável de sua autonomia” (p.29).
Ainda segundo a autora citada, é a fase em que, “visando a uma racionalização nas decisões pessoais e sócioprofissionais, surgiu no Brasil a corrente decisória da Orientação Educacional” (p. 32). É, também, em meados da década de 70, que Bonfim destaca o surgimento de uma nova perspectiva de Orientação Educacional: Essa perspectiva, a Orientação Educacional e os Agentes de Mudança, propunham para o orientador um papel de mobilizador e estimulador de mudanças, agindo como um especialista em relações interpessoais (BONFIM, 1981, p. 33).
A Orientação Educacional passava a ser vista como preocupada (e ocupada) com o desenvolvimento das relações interpessoais e, como tal, passível de ser estendida a todos os graus de ensino. Propunha-se uma nova estratégia de trabalho - a “Orientação Educacional Centrada no Professor” - e enfatizava-se o envolvimento de toda a equipe educativa, sendo “a primeira reação explícita ao aspecto acomodativo e adaptador da Orientação” (BONFIM, 1981, p. 55).
Essa perspectiva de orientação Educacional foi a precursora de todo um movimento crítico a se desencadear na década posterior, quando, a partir dos anos 80, começa-se a sentir, entre os orientadores educacionais, a instauração de uma verdadeira crise profissional. Começam a surgir os questionamentos dos profissionais com relação tanto à ideologia que regia a prática da Orientação Educacional, como às próprias teorias e instrumentos utilizados.
É o início de um novo período - o Período Questionador – que parece levantar o conflito entre a onipotência e a impotência, gerando nos profissionais, que conseguem perceber a dimensão psicossocial do problema, uma sensação, no dizer de Bohoslavsky (1983), de “estar jogando no escuro” (p.18). O Período Questionador refletiu, pois, um momento de parada e reflexão que retrata as inquietações pelas quais passou a Orientação Educacional, na busca por um espaço próprio, específico e definido no campo educacional.
Algumas questões bem marcantes do Período Questionador foi uma busca intensa por uma análise crítica do papel do orientador educacional nas escolas, bem como por uma caracterização do próprio serviço de Orientação Educacional no processo educativo. Nessa fase, os eventos de orientação estão voltados para a discussão dos problemas emergentes da educação, e do resgate dos momentos históricos, para a compreensão dos fenômenos sociais.
Os profissionais da área passam a se voltar para a dimensão social da educação, quase que se contrapondo à ênfase psicológica com que a Orientação Educacional foi implantada no cenário educacional, o que gerou um risco de nova radicalização. Nesse sentido, Bohoslavsky (1983) sinaliza as contradições inerentes aos próprios orientadores educacionais vistos como “profissionais cuja identidade destruiu-se, perdendo o sentido de sua profissão” (p. 13).
Esse posicionamento é ratificado por Garcia & Maia (1986) ao se indagarem: “afinal, o orientador educacional é um especialista ou um generalista? Um psicólogo de segunda categoria ou um pedagogo?” (p. 39). Durante mais de vinte anos, a preocupação dos Orientadores Educacionais com a definição de suas funções permaneceu no cenário da educação brasileira. Interessante destacar, nesse momento, alguns movimentos que se debruçaram sobre a questão da identidade e da presença dos especialistas do ensino nas escolas brasileiras, aqui incluindo, além do orientador educacional, também o supervisor pedagógico.
Um deles ocorre em 1996 – a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394 / 96 que, em seu Título VI, em alguns artigos e incisos destacados, delibera sobre a formação do pedagogo. Assim, no Art.62, a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Já o Art.63 delibera que os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III – programas de educação continuada para os profissionais de educação de diversos níveis.
Pelo Art.64, a formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.
Em Parágrafo Único: A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino.
Em face à nova legislação, e diante da abertura que ela propicia quanto a diferentes caminhos para a formação acadêmica dos profissionais da educação, a velha chama se reacende e os órgãos representativos de classe conclamam seus filiados a reflexões e posicionamentos e movimentos em prol da reformulação da formação dos profissionais da educação tomam lugar no final da década de 90.
Referências:
GRINSPUM, Miriam P. S. Zippin (org). A prática dos Orientadores. 4 ed. São Paulo: Cortz, 1986.
BOHOSLAVSKY, Rodolfo. Orientação vocacional: a estratégia clínica. 11. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 218 p. (Coleção psicologia e pedagogia).
GARCIA, Regina Leite e MAIA, Eny Marisa. Uma orientação educacional nova para uma nova escola. São Paulo: Loyola, 1986.
[1] Publicado em 2007.
[2] Professora do Instituto Tocantinense de Educação Superior e Pesquisa Ltda– Faculdade ITOP, Tocantins.
[3] Professora da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.
[4] O termo refere-se a uma expressão usada na medicina definida como conjunto das precauções higiênicas que devem tomar-se para evitar uma doença ou um contágio.
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