Introdução
A representação
“tópica” exposta no capítulo VII de “A interpretação dos sonhos” fixa a ordem
de coexistência das diferentes regiões do aparelho psíquico, entre cujas extremidades
– sensível e motora – se desenrolam os processos.
No entanto, em
nota introduzida numa edição posterior, Freud ressalta a insuficiência do
esquema anteriormente construído. “O desenvolvimento posterior deste esquema
desdobrado linearmente”, escreve ele então, “deverá levar em conta esta
suposição de que o sistema que sucede ao pré-consciente é aquele a que devemos
atribuir a consciência”.
A primeira tópica
foi inspirada pela análise do sonho e da histeria, será sucedida, após 1920,
por uma segunda tópica, elaborada em resposta aos problemas da psicose, que
abrange o id, o ego, e o superego. Da primeira, Freud dizia que tinha um valor
descritivo, ao passo que na segunda reconhecemos um valor sistemático.
“Daremos o nome de
inconsciente”, escrevia ele em 1900, “ao sistema situado mais atrás; ele não
poderia ter acesso à consciência, a não ser passando pelo pré-consciente, e
durante essa passagem o processo de excitação deverá se submeter a certas
modificações”.
Insatisfeito com o
“modelo topográfico”, porquanto esse não conseguia explicar muitos fenômenos
psíquicos, em especial aqueles que emergiam na prática clínica, Freud vinha
gradativamente elaborando uma nova concepção, até que, em 1920, mais
precisamente a partir do importante trabalho metapsicológico “Além do princípio
do prazer, ele estabeleceu de forma definitiva a sua clássica concepção do
aparelho psíquico, conhecido como modelo estrutural (ou dinâmico), tendo em
vista que a palavra “estrutura” significa um conjunto de elementos que
separadamente tem funções específicas, porém que são indissociados entre si,
interagem permanentemente e influenciam-se reciprocamente. Ou seja,
diferentemente da Primeira Tópica, que sugere uma passividade, a Segunda Tópica
é eminentemente ativa, dinâmica. Essa concepção estruturalista ficou
cristalizada em “O ego e o id” de 1923 e consiste em uma divisão tripartite da
mente em três instâncias: o id, o ego e o superego.
ISSO ou ID - Definição
Este foi um termo
introduzido por Georg Groddeck em 1923 e conceituado por Sigmund Freud no mesmo
ano, a partir do pronome alemão neutro da terceira pessoa do singular (Es),
para designar uma das três instâncias da segunda tópica freudiana, ao lado do
ego (eu) e do superego (supereu). O id (isso) é concebido como um conjunto de
conteúdos de natureza pulsional e de ordem inconsciente.
Uma das três
instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do aparelho psíquico.
O id constitui o polo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão
psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e,
por outro, recalcados e adquiridos.
Do ponto de vista
“econômico”, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica. Do
ponto de vista “dinâmico”, ele abriga e interage com as funções do ego e com os
objetos, tanto os da realidade exterior, como aqueles que, introjetados, estão
habitando o superego, com os quais quase sempre entra em conflito, porém, não
raramente, o id estabelece alguma forma de aliança e conluio com o superego. Do
ponto de vista “genérico”, são as suas diferenciações. Do ponto de vista
“funcional”, ele é regido pelo princípio do prazer; logo pelo processo
primário.
Do ponto de vista
“topográfico”, o inconsciente, como instância psíquica, virtualmente coincide
com o id, o qual é considerado o pólo psicobiológico da personalidade,
fundamentalmente constituído pelas pulsões.
Histórico.
O termo das Es
[isso, aquilo] é introduzido em O ego e o id (Das Ich und das Es, 1923). Freud
vai buscá-lo em Georg Groddeck e cita o precedente de Nietzsche, que designaria
assim “... o que há de não pessoal e, por assim dizer, de necessário por
natureza do nosso ser”.
A introdução do
conceito de id (isso) por Freud na teoria psicanalítica está intrinsecamente
ligada à grande reformulação dos anos de 1920-1923. Sabemos que esta se
caracterizou pela modificação da teoria das pulsões, pela elaboração de uma
nova psicologia do ego, que levava em conta suas funções inconscientes de
defesa e recalque, e pela definição de uma nova tópica, na qual o id veio a
ocupar o lugar que fora do inconsciente na tópica anterior.
Foi em seu ensaio
“O ego e o id” que Freud introduziu o termo pela primeira vez, insistindo na
solidez de fundamento da acepção definida por Groddeck: a de uma vivência passiva
do indivíduo, confrontado com forças desconhecidas e impossíveis de dominar.
A primeira tópica
era uma descrição cômoda dos processos psíquicos. Permitia distinguir entre o
consciente e duas modalidades de inconsciente, o inconsciente propriamente dito,
cujos conteúdos só raramente (ou nunca) podiam ser transformados em pensamentos
conscientes, e o pré-consciente, feito de pensamentos latentes, passíveis de se
tornar ou de voltar a se tornar conscientes.
Aos poucos, a
partir de 1915, ao preço de lenta maturação fundamentada na experiência
clínica, Freud chegou à conclusão de que grandes partes do ego e do superego
eram inconscientes.
Daí em diante,
tornou-se impossível afirmar a existência de uma identidade entre o ego e o
consciente, de um lado, e o recalcado e o inconsciente, de outro. Assim, foi
preciso revisar por completo a concepção das relações consciente-inconsciente
expressa pela primeira tópica. Daí a introdução do termo id para designar o
inconsciente, considerado um reservatório pulsional desorganizado, assimilado a
um verdadeiro caos, sede de “paixões indomadas” que, sem a intervenção do eu,
seria um joguete de suas aspirações pulsionais e caminharia inelutavelmente
para sua perdição.
Ao mesmo tempo, o
ego perdeu sua autonomia pulsional, tornando-se o id a sede da pulsão de vida e
da pulsão de morte. Diversamente de sua abordagem descritiva da primeira
tópica, a abordagem dinâmica da segunda não instaurou nenhuma separação radical
entre as instâncias que a compunham: os limites do id deixaram de ter a
precisão dos que marcavam a separação entre o inconsciente e o sistema
consciente-pré-consciente, e o ego deixou de ser estritamente diferenciado do
id no qual o superego mergulha suas raízes.
No contexto da
trigésima primeira das “Novas conferências introdutórias sobre psicanálise”,
que versava sobre “A decomposição da personalidade psíquica”, Freud inaugurou
uma reflexão sobre os respectivos futuros do ego e do id e sobre a missão que,
sob esse ponto de vista, cabia à psicanálise. Nesse contexto, enunciou sua
célebre frase “Wo Es war, soll Ich werden”, que daria margem a diversas
leituras, por sua vez articulada com as modalidades de interpretação da segunda
tópica. Uma primeira leitura, a da “Ego Psychology”, privilegiou o papel do eu,
considerado como tendo que dominar o isso ao término de uma análise bem
conduzida. Inversamente, Jacques Lacan forneceu da frase freudiana uma tradução
baseada em sua teoria da linguagem. Enfatizou a emergência dos desejos
inconscientes para os quais a análise deve abrir caminho, em oposição às
defesas do ego, posição esta que ele recapitulou em 1967 por meio de uma
formulação que se tornou famosa: “isso fala!”.
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