Mesmo para chegar a
meio-caminho da compreensão de como, em uma jovem histérica, um desejo sexual
proibido pode transformar-se em um sintoma penoso, foi necessário efetuar
hipóteses complicadas e de grandes conseqüências sobre a estrutura e o
funcionamento do aparelho psíquico. Havia aqui uma contradição evidente entre o
dispêndio de esforço e o resultado.
Se as condições postuladas pela psicanálise realmente
existissem, seriam de natureza fundamental e deveriam ser capazes de encontrar
expressão noutros fenômenos, além dos histéricos. No entanto, se essa
inferência fosse correta, a psicanálise teria cessado de ter interesse apenas
para os neurologistas; poderia reivindicar a atenção de todos para quem a
pesquisa psicológica tivesse alguma importância. Seus achados não só teriam de
ser levados em consideração no campo da vida mental patológica, como tampouco
poderiam ser negligenciados no atingir uma compreensão do funcionamento normal.
Provas de ela ser útil para lançar luz sobre outras
atividades que não a atividade mental patológica, logo se apresentaram, em
vinculação com dois tipos de fenômenos: as parapraxias muito freqüentes que
ocorrem na vida cotidiana — tais como esquecer coisas, lapsos de língua e
colocação errada de objetos — e os sonhos tidos por essas pessoas sadias e
psiquicamente normais. Pequenas falhas de funcionamento, tais como o
esquecimento temporário de nomes próprios normalmente familiares, lapsos de
língua e de escrita, e assim por diante, até então não tinham sido considerados
dignos de qualquer explicação, ou se imaginava que fossem explicáveis por
estados de fadiga, pela distração da atenção etc. O presente autor demonstrou
então, a partir de muitos exemplos, em seu livro The Psychopathology of
Everyday Life (1901b), que acontecimentos desse tipo têm um significado ou
surgem devido a uma intenção consciente com a qual interfere uma outra,
suprimida ou realmente inconsciente. Via de regra, uma rápida reflexão ou breve
análise é suficiente para revelar a influência interferente. Devido à
freqüência de parapraxias tais como os lapsos de língua, tornou-se fácil a
qualquer pessoa convencer-se, por sua própria experiência, sendo, não obstante,
operantes, e que, pelo menos, encontram expressão como inibições e modificações
de outros atos pretendidos.
A análise dos sonhos levou mais longe: ela foi trazida a
público pelo presente autor já em 1900, em A Interpretação de Sonhos, que
demonstrava serem os sonhos construídos exatamente da mesma maneira que os
sintomas neuróticos. Como esses últimos, eles podem parecer estranhos e sem
sentido;porém, se os examinarmos através de uma técnica que pouco difere da
associação livre utilizada na psicanálise, somos levados de seu conteúdo manifesto
a um significado secreto, aos pensamentos oníricos latentes. Esse significado
latente é sempre um impulso desejoso, o qual se representa como realizado no
momento do sonho. Entretanto, exceto em crianças pequenas e sob a pressão de
necessidades físicas imperativas, esse desejo secreto jamais pode ser expresso
de modo identificável. Ele primeiro tem de se submeter a uma deformação, que é
o trabalho de forças censurantes, restritivas, tal como é relembrado na vida
desperta. Ele é deformado, a ponto de ser irreconhecível, por concessões feitas
à censura do sonho, porém pode ser, através da análise, mais uma vez revelado
como expressão de uma situação de satisfação ou como a realização de um desejo.
É uma conciliação entre grupos conflitantes de tendências mentais, tal como
descobrimos ser o caso com os sintomas histéricos. A fórmula que, no fundo,
melhor atende à essência do sonho é esta: o sonho é uma realização (disfarçada)
de um desejo (reprimido). O estudo do processo que transforma o desejo latente
realizado no sonho no conteúdo manifesto do sonho — processo conhecido como
‘trabalho do sonho’ — ensinou-nos a maior parte do que sabemos sobre a vida
mental inconsciente.
Ora, o sonho não constitui um sintoma mórbido, mas é o
produto de uma mente normal. Os desejos que ele representa como realizados são
os mesmos que aqueles reprimidos nas neuroses. Os sonhos devem a possibilidade
de sua gênese simplesmente à circunstância favorável de a repressão, durante o
estado de sono que paralisa o poder de movimento do homem, ser mitigada na
censura do sonho. Assim, prova-se que as mesmas forças e os mesmos processos
que se realizam entre elas operam tanto na vida mental moral quanto na
patológica. A partir da data de A Interpretação de Sonhos, a psicanálise teve
uma dupla significação. Constitui não apenas um novo método de tratar as
neuroses, mas também uma nova psicologia; reivindicou a atenção não só dos
especialistas em nervos como também a de todos que eram estudiosos de uma
ciência mental.
A recepção que lhe foi dada no mundo científico, porém,
não foi amistosa. Por cerca de 10 anos ninguém prestou atenção aos trabalhos de
Freud. Por volta do ano de 1907, um grupo de psiquiatras suíços (Bleuler e
Jung, em Zurique) atraiu a atenção para a psicanálise, e uma tormenta de
indignação, não precisamente fastidiosa em seus métodos e argumentos, irrompeu
logo após, principalmente na Alemanha. Nesse aspecto, a psicanálise partilhava
da sorte de muitas novidades que, após certo lapso de tempo, encontraram
reconhecimento geral. Entretanto, era de sua natureza queinevitavelmente
despertasse uma oposição especificamente violenta. Ela feria os preconceitos da
humanidade civilizada em alguns pontos especialmente sensíveis. Submetia todo
indivíduo, por assim dizer, à reação analítica, por revelar aquilo que por
acordo universal fora reprimido para o inconsciente, e, desse modo, forçava
seus contemporâneos a comportar-se como pacientes que, sob tratamento
analítico, acima de tudo trazem suas resistências para o primeiro plano. Deve-se
também admitir que não era fácil convencer-se da correção das teorias
psicanalíticas, ou conseguir instrução na prática da análise.
A hostilidade geral, porém, não conseguiu impedir a
psicanálise de uma expansão contínua durante a década seguinte, em duas
direções: sobre o mapa, pois o interesse nela constantemente aflorava em novos
países, e no campo das ciências mentais, pois estava constantemente encontrando
aplicações em novos ramos do conhecimento. Em 1909, o Presidente G. Stanley
Hall convidou Freud e Jung para dar uma série de conferências na Universidade
Clark, em Worcester, Mass., da qual era o diretor e onde lhes foi oferecida uma
amistosa recepção. Desde então a psicanálise permaneceu sendo popular nos
Estados Unidos, embora exatamente nesse país tenha sido unida a muita
superficialidade e alguns abusos. Já em 1911, Havelock Ellis podia relatar que
a análise era estudada e praticada não somente na Áustria e na Suíça, mas
também nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Índia, no Canadá, e, fora de
dúvida, na Austrália também.
Ademais, foi nesse período de luta e primeiro
florescimento que os periódicos dedicados exclusivamente à psicanálise foram
fundados. Foram eles o Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische
Forschungen [Anuário para Pesquisas Psicanalíticas e Psicopatológicas]
(1909-1914), dirigido por Bleuler e Freud, e editado por Jung, cuja publicação
cessou ao irromper a guerra mundial; a Zentralblatt für Psychoanalyse
[Periódico Central para a Psicanálise] (1911), com Adler e Stekel como
editores, o qual foi logo substituído pela Internationale Zeitschrift für
Psychoanalyse [Revista Internacional para a Psicanálise] (1913, hoje em seu
décimo volume); e mais, desde 1912, Imago, fundada por Rank e Sachs, uma
revista para a aplicação da psicanálise às ciências mentais. O grande interesse
assumido no assunto por médicos anglo-americanos foi demonstrado em 1913, com a
fundação da ainda ativa Psycho-Analytic Review, por parte de White e Jelliffe.
Mais tarde, em 1920, The International Journal of Psycho-Analysis, destinado
especialmente aos leitores da Inglaterra, fez seu aparecimento sob a editoria
de Ernest Jones. A Internationaler Psychoanalytischer Verlag e a correspondente
inglesa The International Psycho-Analytical Press trouxeram à luz uma série
contínua de publicações analíticas sob o nome da Internationale
Psychoanalytische Bibliothek (Biblioteca Psicanalítica Internacional). A
literatura da psicanálise, naturalmente, não é encontrada apenas nesses
periódicos, que são na maioria sustentados por sociedades psicanalíticas; ela
aparece por toda parte, em numerosos lugares, em publicações científicas e em
publicações literárias. Entre os periódicos do mundo latino que concedem
atenção especial à psicanálise, a Revista de Psiquiatria, coordenada por H.
Delgado, em Lima, no Peru, pode ser mencionada em especial.
Uma diferença essencial entre essa segunda década da
psicanálise e a primeira reside no fato de que o presente autor não constituía
mais seu único representante. Um círculo sempre crescente de alunos e adeptos
se havia reunido em torno dele, dedicando-se, em primeiro lugar, à difusão das
teorias da psicanálise; depois, ampliaram, suplementaram e conduziram essas
teorias a maior profundidade. Com o decorrer dos anos diversos desses
defensores, como era inevitável, separaram-se, tomaram seus próprios rumos, ou
se transformaram em uma oposição que pareceu ameaçar a continuidade do
desenvolvimento da psicanálise. Entre 1911 e 1913, C. G. Jung, em Zurique, e
Alfred Adler, em Viena, produziram determinada agitação por suas tentativas de
dar novas interpretações aos fatos da análise e por seus esforços para um
desvio do ponto de vista analítico. Entretanto, viu-se logo que essas secessões
não haviam causado danos permanentes. O sucesso temporário que tenham atingido
foi facilmente explicável pela presteza da massa das pessoas em livrar-se da
pressão das exigências da psicanálise por qualquer caminho que se lhes pudesse
abrir. A grande maioria dos colaboradores permaneceu firme e continuou seu
trabalho orientada pelas linhas a eles indicadas. Depararemos repetidamente com
seus nomes na breve descrição, adiante, das descobertas da psicanálise nos
muitos e variados campos de sua aplicação.
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