Logo após a publicação de
Estudos sobre a Histeria, a associação entre Breuer e Freud terminou. Breuer,
que na realidade era consultor em medicina interna, abandonou o tratamento de
pacientes nervosos e Freud dedicou-se ao aperfeiçoamento ulterior do instrumento
que lhe deixara seu colaborador mais idoso. As novidades técnicas que
introduziu e as descobertas que efetuou transformaram o método catártico em
psicanálise.
O passo mais momentoso foi sem dúvida sua determinação de
passar sem a assistência da hipnose em seu procedimento técnico. Procedeu assim
por duas razões: em primeiro lugar porque, apesar de um curso de instrução com
Bernheim em Nancy, ele não conseguia induzir a hipnose em um número suficiente
de casos, e, em segundo, porque estava insatisfeito com os resultados
terapêuticos da catarse baseada na hipnose. É verdade que esses resultados eram
notáveis e apareciam após um tratamento de curta duração, porém demonstravam
não serem permanentes e dependerem demais das relações pessoais do paciente com
o médico. O abandono da hipnose causou uma brecha no curso do desenvolvimento
do procedimento até então e significou um novo começo.
A hipnose, contudo, desempenhara o serviço de restituir à
lembrança do paciente aquilo que ele havia esquecido. Era necessário encontrar
alguma outra técnica para substituí-la e a Freud ocorreu a idéia de colocar em
seu lugar o método da ‘associação livre’. Isso equivale a dizer que ele fazia
seus pacientes assumirem o compromisso de se absterem de qualquer reflexão consciente
e se abandonarem em um estado de tranqüila concentração, para seguir as idéias
que espontaneamente (involuntariamente) lhe ocorressem — ‘a escumarem a
superfície de suas consciências’. Deveriam comunicar essas idéias ao médico,
mesmo que sentissem objeções em fazê-lo; por exemplo, se os pensamentos
parecessem desagradáveis, insensatos, muito sem importância ou irrelevantes
demais. A escolha da associação livre como meio de investigar o material
inconsciente esquecido parece tão estranha que uma palavra em justificação dela
não estará fora de lugar. Freud foi levado a ela pela expectativa de que a
chamada associação ‘livre’ mostrasse de fato não ser livre, porquanto após
suprimidos todos os propósitos intelectuais conscientes, as idéias que
emergissem pareceriam ser determinadas pelo material inconsciente. Essa
expectativa foi justificada pela experiência. Quando a ‘regra fundamental da
psicanálise’, que acaba de ser enunciada, era obedecida, o curso da associação
livre produzia um estoque abundante de idéias que podiam nos colocar na pista
daquilo que o paciente havia esquecido. Com efeito, esse material não trazia à
tona o que realmente fora esquecido, mas trazia tão claras e numerosas alusões
a ele que, com o auxílio de certa suplementação e interpretação, o médico podia
adivinhar (ou reconstruir) o material esquecido a partir dele. Assim, a
associação livre, juntamente com a arte da interpretação, desempenhava a mesma
função que anteriormente fora realizada pelo hipnotismo.
Parecia como se nosso trabalho houvesse ficado mais
difícil e complicado; no entanto, o lucro inestimável estava em que se obtinha
agora uma compreensão interna (insight) de uma ação recíproca de forças que
haviam estado ocultas do observador pelo estado hipnótico. Tornou-se evidente
que o trabalho de revelar o que havia sido patogenicamente esquecido tinha de
lutar contra uma resistência constante e muito intensa. As próprias objeções
críticas que o paciente levantava a fim de evitar comunicar as idéias que lhe
ocorriam, e contra as quais a regra fundamental da psicanálise era dirigida, já
eram manifestações dessa resistência. Uma consideração dos fenômenos da
resistência conduziu-nos a uma das pedras angulares da teoria psicanalítica das
neuroses — a teoria da repressão. Era plausível supor que as mesmas forças,
agora então em luta contra o material patogênico a ser tornado consciente,
haviam realizado em época anterior, com sucesso, os mesmos esforços.
Preenchia-se, assim, uma lacuna na etiologia dos sintomas neuróticos. As
impressões e impulsos mentais, para os quais os sintomas estavam agora servindo
de substitutos, não tinham sido esquecidos sem razão ou por causa de uma
incapacidade constitucional para a síntese (como Janet supunha); através da
influência de outras forças mentais tinham-se defrontado com uma repressão cujo
sucesso e prova eram precisamente estarem eles barrados à consciência e
excluídos da memória. Apenas em conseqüência dessa repressão é que eles se
haviam tornado patogênicos, isto é, haviam tido êxito em manifestar-se ao longo
de caminhos fora do comum, tais como os sintomas.
Um conflito entre dois grupos de tendências mentais deve
ser encarado como o fundamento para a repressão, e, por conseguinte, como a
causa de toda enfermidade neurótica. E aqui a experiência nos ensinou um fato
novo e surpreendente sobre a natureza das forças que estiveram lutando uma
contra a outra. A repressão invariavelmente procedia da personalidade
consciente da pessoa enferma (seu ego) e baseava-se em motivos estéticos e
éticos; os impulsos sujeitos à repressão eram os do egoísmo e da crueldade, que
em geral podem ser resumidos como o mal, porém, acima de tudo, impulsos
desejosos sexuais, freqüentemente da espécie mais grosseira e proibida. Assim,
os sintomas constituíam um substituto para satisfações proibidas e a moléstia
parecia corresponder a uma subjugação incompleta do lado imoral dos seres
humanos.
O progresso em conhecimento tornou ainda mais claro o
enorme papel desempenhado na vida mental pelos impulsos desejosos sexuais, e
levou a um estudo pormenorizado da natureza e desenvolvimento do instinto
sexual. Também deparamos, porém, com outro achado puramente empírico, na
descoberta de que as experiências e conflitos dos primeiros anos da infância
representam uma parte insuspeitadamente importante no desenvolvimento do
indivíduo e deixam atrás de si disposições indeléveis que se abatem sobre o
período da maturidade. Isso nos trouxe à revelação de algo que até então fora
fundamentalmente negligenciado pela ciência — a sexualidade infantil, que, da
mais tenra idade em diante, se manifesta tanto em reações físicas quanto em
atitudes mentais. A fim de reunir essa sexualidade das crianças com o que é
descrito como sendo a sexualidade normal dos adultos e a vida sexual anormal
dos pervertidos, o conceito do que era sexual devia, ele próprio, ser corrigido
e ampliado de uma forma que pudesse ser justificada pela evolução do instinto
sexual.
Após a hipnose ter sido substituída pela técnica da
associação livre, o procedimento catártico de Breuer transformou-se em
psicanálise, que por mais de uma década foi desenvolvida pelo autor (Freud),
sozinho. Durante esse tempo ela gradativamente adquiriu uma teoria que parecia
fornecer uma descrição satisfatória da origem, significado e propósito dos sintomas
neuróticos, e proporcionava uma base racional para tentativas médicas de curar
a queixa. Mais uma vez enumerei os fatores que contribuem para a constituição
dessa teoria. São eles: ênfase na vida instintual (afetividade), na dinâmica
mental, no fato de que mesmo os fenômenos mentais aparentemente mais obscuros e
arbitrários possuem invariavelmente um significado e uma causação, a teoria do
conflito psíquico e da natureza patogênica da repressão, a visão de que os
sintomas constituem satisfações substitutas, o reconhecimento da importância
etiológica da vida sexual, e especificamente, dos primórdios da sexualidade
infantil. De um ponto de vista filosófico, essa teoria estava fadada a adotar a
opinião de que o mental não coincide com o consciente, que os processos mentais
são, em si próprios, inconscientes e só se tornam conscientes pelo
funcionamento de órgãos especiais (instâncias ou sintomas). Para completar essa
lista acrescentarei que entre as atitudes afetivas da infância a complicada
relação emocional das crianças com os pais — o que é conhecido por complexo de
Édipo — surgiu em proeminência. Ficou cada vez mais claro que ele era o núcleo
de todo caso de neurose, e no comportamento do paciente para com seu analista
surgiram certos fenômenos de sua transferência emocional que vieram a ser de
grande importância para a teoria e a técnica, do mesmo modo.
Na forma que ela assim assumiu, a teoria psicanalítica
das neuroses já encerrava determinado número de coisas que iam de encontro a
opiniões e inclinações aceitas e estavam talhadas a provocar espanto,
repugnância e ceticismo em estranhos; por exemplo, a atitude da psicanálise
para com o problema do inconsciente, seu reconhecimento de uma sexualidade
infantil e a ênfase que concedia ao fator sexual na vida mental em geral. Mais
coisas, porém, deveriam seguir-se.
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