A ruidosa rejeição da
psicanálise pelo mundo médico não podia impedir seus defensores de
desenvolvê-la, inicialmente por suas linhas originais, em patologia e
tratamento especializado nas neuroses — tarefa ainda não completamente
realizada, mesmo atualmente.
Seu inegável sucesso terapêutico, que excedia em muito
qualquer outro que houvesse sido anteriormente conseguido, incentivou-os
constantemente a novos esforços, ao passo que as dificuldades reveladas à
medida que o material era examinado mais profundamente redundaram em alterações
profundas na técnica da análise e correções importantes em suas hipóteses e
postulados teóricos. No decurso desse desenvolvimento a técnica da psicanálise
se tornou tão definida e delicada quanto a de qualquer outro ramo especializado
da medicina. Uma falha na compreensão desse fato levou a muitos abusos
(particularmente na Inglaterra e nos Estados Unidos), porquanto pessoas que
adquiriram apenas um conhecimento literário da psicanálise a partir de leituras
se consideram capazes de empreender tratamentos analíticos sem ter recebido
qualquer formação especial. As conseqüências de tal comportamento são
prejudiciais tanto para a ciência quanto para os pacientes e acarretaram muito
descrédito para a análise. A fundação de uma primeira clínica psicanalítica
para pacientes externos (por Max Eitingon, em Berlim, em 1920) tornou-se,
portanto, um passo de grande importância prática. Esse instituto busca, por um
lado, tornar o tratamento analítico acessível a amplos círculos da população e,
por outro, empreende a instrução de médicos para serem analistas clínicos
através de um curso de formação incluindo como condição que aquele que aprende
concorde em ser ele próprio analisado.
Entre os conceitos hipotéticos que capacitem o médico a
lidar com o material analítico, o primeiro a ser mencionado é o da ‘libido’.
Libido, em psicanálise, significa em primeira instância a força (imaginada como
quantitativamente variável e mensurável) dos instintos sexuais dirigidos para
um objeto — ‘sexuais’ no sentido ampliado exigido pela teoria analítica. Um
estudo mais completo demonstrou que era necessário colocar ao lado dessa
‘libido objetal’ uma ‘libido narcísica’ ou ‘do ego’, dirigida para o próprio
ego do indivíduo, e a interação dessas duas forças nos capacitou a explicar
grande número de processos normais e anormais na vida mental. Uma distinção
grosseira logo se fez entre o que é conhecido por ‘neuroses de transferência’ e
os distúrbios narcísicos. As primeiras (histeria e neurose obsessiva)
constituem os objetos propriamente ditos do tratamento psicanalítico, ao passo
que as outras, as neuroses narcísicas, embora possam deveras ser examinadas com
o auxílio da análise, oferecem dificuldades fundamentais à influência
terapêutica. É verdade que a teoria da libido da psicanálise não está absolutamente
completa e sua relação com uma teoria geral dos instintos não é clara, pois a
psicanálise é uma ciência jovem, ainda inacabada, e em estágio de rápido
desenvolvimento. Porém aqui se deve enfaticamente apontar quão errônea é a
acusação de pansexualismo que com tanta freqüência é dirigida contra a
psicanálise. Ela busca demonstrar que a teoria psicanalítica não conhece outras
forças motivadoras mentais senão as puramente sexuais e, assim procedendo,
explora preconceitos populares pelo emprego da palavra ‘sexual’ não em seu
sentido analítico, mas no vulgar.
A visão psicanalítica também teria de incluir nos
distúrbios narcísicos todas as moléstias descritas em psiquiatria como
‘psicoses funcionais’. Não se poderia duvidar de que as neuroses e psicoses não
estão separadas por uma linha rígida, mais do que o estão a saúde e a neurose,
e era plausível explicar os misteriosos fenômenos psicóticos pelas descobertas
a que se chegou nas neuroses, que até então haviam sido igualmente
incompreensíveis. O presente autor, durante o período de seu isolamento, tornou
um caso de doença paranóide parcialmente inteligível através de uma
investigação analítica e indicou nessa psicose indiscutível os mesmos conteúdos
(complexos) e uma semelhante ação recíproca de forças, nas neuroses simples.
Bleuler [1906] acompanhou as indicações do que chamou de ‘mecanismos
freudianos’ em grande número de psicoses, e Jung conquistou, de um só golpe,
elevado conceito como analista quando, em 1907, explicou os sintomas
mais excêntricos dos estádios finais da dementia praecox a partir das histórias
individuais da vida dos pacientes. O abrangente estudo da esquizofrenia
efetuado por Bleuler (1911) provavelmente demonstrou de uma vez por todas a
justificação de um ângulo psicanalítico de abordagem para a compreensão dessas
psicoses.
A psiquiatria tornou-se assim o primeiro campo a que a
psicanálise foi aplicada e desse modo permaneceu desde então. Os mesmos
pesquisadores que mais fizeram para aprofundar o conhecimento analítico das
neuroses, tais como Karl Abraham, em Berlim, e Sándor Ferenczi, em Budapest
(para nomear apenas os mais proeminentes), também desempenharam papel de realce
em lançar luz analítica sobre as psicoses. A convicção da unidade e vinculação
íntima de todos os distúrbios que se apresentam como fenômenosneuróticos e
psicóticos está tornando-se cada vez mais firmemente estabelecida, apesar de
todos os esforços dos psiquiatras. As pessoas estão começando a entender — e
melhor que todas, talvez na América — que o estudo psicanalítico das neuroses
constitui a única preparação para uma compreensão das psicoses, e que a
psicanálise está destinada a tornar possível uma psiquiatria científica do
futuro, que não precisará contentar-se com a descrição de quadros clínicos
curiosos e seqüências ininteligíveis de eventos, e com o traçar a influência de
grosseiros traumas anatômicos e tóxicos sobre um aparelho psíquico inacessível
ao nosso conhecimento.
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