20/04/2019

UMA BREVE DESCRIÇÃO DA PSICANÁLISE (1924 [1923]) - Parte 5


A ruidosa rejeição da psicanálise pelo mundo médico não podia impedir seus defensores de desenvolvê-la, inicialmente por suas linhas originais, em patologia e tratamento especializado nas neuroses — tarefa ainda não completamente realizada, mesmo atualmente.
            Seu inegável sucesso terapêutico, que excedia em muito qualquer outro que houvesse sido anteriormente conseguido, incentivou-os constantemente a novos esforços, ao passo que as dificuldades reveladas à medida que o material era examinado mais profundamente redundaram em alterações profundas na técnica da análise e correções importantes em suas hipóteses e postulados teóricos. No decurso desse desenvolvimento a técnica da psicanálise se tornou tão definida e delicada quanto a de qualquer outro ramo especializado da medicina. Uma falha na compreensão desse fato levou a muitos abusos (particularmente na Inglaterra e nos Estados Unidos), porquanto pessoas que adquiriram apenas um conhecimento literário da psicanálise a partir de leituras se consideram capazes de empreender tratamentos analíticos sem ter recebido qualquer formação especial. As conseqüências de tal comportamento são prejudiciais tanto para a ciência quanto para os pacientes e acarretaram muito descrédito para a análise. A fundação de uma primeira clínica psicanalítica para pacientes externos (por Max Eitingon, em Berlim, em 1920) tornou-se, portanto, um passo de grande importância prática. Esse instituto busca, por um lado, tornar o tratamento analítico acessível a amplos círculos da população e, por outro, empreende a instrução de médicos para serem analistas clínicos através de um curso de formação incluindo como condição que aquele que aprende concorde em ser ele próprio analisado.
            Entre os conceitos hipotéticos que capacitem o médico a lidar com o material analítico, o primeiro a ser mencionado é o da ‘libido’. Libido, em psicanálise, significa em primeira instância a força (imaginada como quantitativamente variável e mensurável) dos instintos sexuais dirigidos para um objeto — ‘sexuais’ no sentido ampliado exigido pela teoria analítica. Um estudo mais completo demonstrou que era necessário colocar ao lado dessa ‘libido objetal’ uma ‘libido narcísica’ ou ‘do ego’, dirigida para o próprio ego do indivíduo, e a interação dessas duas forças nos capacitou a explicar grande número de processos normais e anormais na vida mental. Uma distinção grosseira logo se fez entre o que é conhecido por ‘neuroses de transferência’ e os distúrbios narcísicos. As primeiras (histeria e neurose obsessiva) constituem os objetos propriamente ditos do tratamento psicanalítico, ao passo que as outras, as neuroses narcísicas, embora possam deveras ser examinadas com o auxílio da análise, oferecem dificuldades fundamentais à influência terapêutica. É verdade que a teoria da libido da psicanálise não está absolutamente completa e sua relação com uma teoria geral dos instintos não é clara, pois a psicanálise é uma ciência jovem, ainda inacabada, e em estágio de rápido desenvolvimento. Porém aqui se deve enfaticamente apontar quão errônea é a acusação de pansexualismo que com tanta freqüência é dirigida contra a psicanálise. Ela busca demonstrar que a teoria psicanalítica não conhece outras forças motivadoras mentais senão as puramente sexuais e, assim procedendo, explora preconceitos populares pelo emprego da palavra ‘sexual’ não em seu sentido analítico, mas no vulgar.
            A visão psicanalítica também teria de incluir nos distúrbios narcísicos todas as moléstias descritas em psiquiatria como ‘psicoses funcionais’. Não se poderia duvidar de que as neuroses e psicoses não estão separadas por uma linha rígida, mais do que o estão a saúde e a neurose, e era plausível explicar os misteriosos fenômenos psicóticos pelas descobertas a que se chegou nas neuroses, que até então haviam sido igualmente incompreensíveis. O presente autor, durante o período de seu isolamento, tornou um caso de doença paranóide parcialmente inteligível através de uma investigação analítica e indicou nessa psicose indiscutível os mesmos conteúdos (complexos) e uma semelhante ação recíproca de forças, nas neuroses simples. Bleuler [1906] acompanhou as indicações do que chamou de ‘mecanismos freudianos’ em grande número de psicoses, e Jung conquistou, de um só golpe, elevado conceito como analista quando, em 1907, explicou os sintomas mais excêntricos dos estádios finais da dementia praecox a partir das histórias individuais da vida dos pacientes. O abrangente estudo da esquizofrenia efetuado por Bleuler (1911) provavelmente demonstrou de uma vez por todas a justificação de um ângulo psicanalítico de abordagem para a compreensão dessas psicoses.
            A psiquiatria tornou-se assim o primeiro campo a que a psicanálise foi aplicada e desse modo permaneceu desde então. Os mesmos pesquisadores que mais fizeram para aprofundar o conhecimento analítico das neuroses, tais como Karl Abraham, em Berlim, e Sándor Ferenczi, em Budapest (para nomear apenas os mais proeminentes), também desempenharam papel de realce em lançar luz analítica sobre as psicoses. A convicção da unidade e vinculação íntima de todos os distúrbios que se apresentam como fenômenosneuróticos e psicóticos está tornando-se cada vez mais firmemente estabelecida, apesar de todos os esforços dos psiquiatras. As pessoas estão começando a entender — e melhor que todas, talvez na América — que o estudo psicanalítico das neuroses constitui a única preparação para uma compreensão das psicoses, e que a psicanálise está destinada a tornar possível uma psiquiatria científica do futuro, que não precisará contentar-se com a descrição de quadros clínicos curiosos e seqüências ininteligíveis de eventos, e com o traçar a influência de grosseiros traumas anatômicos e tóxicos sobre um aparelho psíquico inacessível ao nosso conhecimento.

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