Introdução
A resistência
implica todas as forças dentro do paciente que se opõem aos procedimentos e
processos do trabalho psicanalítico. Em maior ou menor grau, ela está presente
desde o começo até o fim do tratamento. As resistências defendem o “status quo”
da neurose do paciente. As resistências se opõem ao analista, ao trabalho
analítico e ao ego racional do paciente. A resistência é um conceito
operacional, não foi inventada recentemente pela análise. A situação analítica
se transforma na arena em que as resistências se acabam revelando.
As resistências
são repetições de todas as operações defensivas utilizadas pelo paciente em sua
vida passada. Todas as variações de fenômenos psíquicos podem ser utilizadas
objetivando a resistência, mas, qualquer que seja sua fonte, a resistência age
através do ego do paciente. Embora alguns aspectos de uma resistência possam
ser conscientes, uma parte fundamental é realizada pelo ego inconsciente.
A terapia
psicanalítica se caracteriza pela análise sistemática e completa das
resistências. É trabalho do analista descobrir como o paciente resiste, a que
está ele resistindo e por que ele age assim. A causa imediata de uma
resistência é sempre evitar algum afeto doloroso como a ansiedade, culpa ou
vergonha. Por trás deste motivo iremos encontrar um impulso instintual que
disparou o afeto doloroso. No final das contas, descobrir-se-á que é o medo de
um estado traumático que a resistência está tentando evitar.
Desde os
primórdios da psicanálise, o fenômeno resistência tem sido exaustivamente
estudado em sua teoria e técnica, mas nem por isso, na atualidade, perdeu em
significação e relevância. Pelo contrário, ele continua sendo considerado a
pedra angular da prática analítica e, cada vez mais, os autores prosseguem
estudando-o sob renovados vértices de abordagem e conceitualização.
Na qualidade de
conceito clínico, a concepção de resistência surgiu quando Freud discutiu as
suas primeiras tentativas de fazer vir à tona as lembranças “esquecidas” de
suas pacientes histéricas. Isto data de antes do desenvolvimento da técnica da
associação livre, quando ele ainda empregava a hipnose, e a sua recomendação
técnica era no sentido de insistência (por parte do psicanalista) como o
contrário da resistência (por parte do paciente).
Este método de
coerção associativa empregada por Freud incluía uma pressão de ordem física que
ele próprio procedia e recomendava como “colocando a mão na testa do paciente,
ou lhe tomando a cabeça entre minhas duas mãos” a fim de conseguir a recordação
e verbalização dos conflitos passados.
Histórico
e compreensão das resistências
Freud empregou o
termo resistência, pela primeira vez, ao se referir a Elisabeth Von R. (1893),
com a palavra original “widerstand”, sendo que em alemão “wider” significa
“contra”, como uma oposição ativa. Até então a resistência era considerada
exclusivamente como um obstáculo à análise, correspondendo sua força à
quantidade de energia com que as ideias tinham sido reprimidas e expulsas de
suas associações.
Freud escreveu na
conferência XIX - Resistência e Repressão, “A resistência dos neuróticos à
remoção de seus sintomas tornou-se a base do ponto de vista dinâmico das
neuroses. Inicialmente, Breuer e eu empreendíamos a psicoterapia por meio da
hipnose; a primeira paciente de Breuer foi totalmente tratada sob influência
hipnótica, e, no início, eu o segui neste procedimento. Admito que, naquela
época, o trabalho avançava mais fácil e satisfatoriamente, e também em muito
menos tempo. Os resultados eram, porém, incertos e não duradouros, e por essa
razão finalmente abandonei a hipnose. E então compreendi que não se tornaria
possível a compreensão da dinâmica destas doenças enquanto fosse empregada a
hipnose. Este estado era justamente capaz de subtrair à percepção do médico
[psicanalista] a existência da resistência. Ele fazia recuar a resistência,
tornando uma determinada área livre para o trabalho analítico e represava-a nas
fronteiras desta área sob uma tal forma, que se tornava impenetrável, do mesmo
modo como a dúvida age na neurose obsessiva. Por esse motivo, tenho podido
declarar que a psicanálise propriamente dita começou quando dispensei o
auxílio da hipnose”.
O termo
“resistência”, por longo tempo, foi empregado com uma conotação de juízo
pejorativo. A própria terminologia utilizada para caracterizá-la, em épocas
passadas (de certa forma, ainda persistindo no presente), era impregnada de
expressões típicas de ações militares, como se o trabalho analítico fosse uma
beligerância do paciente contra o analista e vice-versa.
Em A Interpretação
dos Sonhos (1900), os conceitos de resistência e de censura estão intimamente
relacionados: a “censura” é para os sonhos aquilo que a “resistência” é para a
associação livre. Neste trabalho, em suas considerações sobre o esquecimento
dos sonhos, Freud deixou postulado que uma das regras da psicanálise é que tudo
o que interrompe o progresso do trabalho psicanalítico é uma
resistência.
Aos poucos, com a
tática de ir da periferia em direção à profundidade, Freud foi entendendo que o
reprimido mais do que um corpo estranho era algo como um “infiltrado”. Assim,
ele começa a deixar claro que a resistência não era dirigida somente à
recordação das lembranças penosas, mas também contra a percepção de impulsos
inaceitáveis, de natureza sexual, que surgem distorcidos. Com isso, Freud
conclui que o fenômeno resistencial não era algo que surgia de tempos em tempos
na análise, mas sim que ele está permanentemente presente.
Muitos outros
autores, contemporâneos dele ou posteriores a ele, trouxeram importantes
contribuições ao estudo das resistências, como são, entre tantos outros: Sandor
Ferenczi (1918) apontou para o fato de que a própria regra fundamental da livre
associação de ideias podia ser usada para fins resistenciais; Abraham (1919)
descreveu com maestria aspectos ainda vigentes das resistências crônicas de natureza
narcisística; Wilhelm Reich (1933) insistia no fato de que o trabalho
primordial do psicanalista, de início, deveria ser a remoção da “couraça
caracterológica” formada do tipo de resistência que ele denominou “resistência
de caráter”; J. Rivière (1936) fez um importante estudo sobre as defesas
maníacas na gênese da RTN - Reação Terapêutica Negativa - , como uma forma
resistencial de negação das ansiedades depressivas; Anna Freud (1936), seguindo
os esboços do pai, foi a primeira a fazer uma clara sistematização das defesas
que o ego utiliza como resistências, demonstrando que essas não são apenas
obstáculos ao tratamento, mas são também importantes fontes de informação sobre
as funções do ego em geral.
Melanie Klein,
desde 1920, com os seus conhecidos estudos sobre o psiquismo primitivo e a
análise com crianças, propiciou uma compreensão bastante mais clara acerca dos
arcaicos recursos defensivos que o ego utiliza como movimentos resistenciais;
Rosenfeld (1965) aprofundou o estudo das resistências em pacientes de
personalidade narcisística, não psicóticos, nos quais um “self idealizado”,
patológico e de gênese precoce obriga o indivíduo a um boicote e a uma
permanente resistência contra o aparecimento de genuínas necessidades da parte
infantil dependente; Bion, embora não tenha produzido nenhum artigo
explicitamente sobre resistências, deixou um importante legado sobre este tema,
notadamente pelo seu enfoque da vincularidade analítica. Lacan, que sempre
pregou um “retorno a Freud”, tem extraído uma significação especial para a
compreensão de algumas formas de resistência nas terapias psicanalíticas. Sua
formulação básica fica baseada no fato de que o desejo da criança (paciente) é
o de ser desejado pelo outro (pais no passado; analista, no presente).
Em outras
palavras, a criança, para garantir o amor dos pais, pode ter aprendido, desde
sempre, a adivinhar e a cumprir as expectativas ideais dos mesmos; logo, o seu
desejo confunde-se como sendo o “desejo do outro”. A não ser assim, a criança
de ontem – nosso analisando de hoje – correria o grave risco de perder o amor
do superego e do objeto externo, sendo que isso acontece, sobrevém uma reação
do tipo de protesto, desesperança e retraimento, nos mesmos moldes que as
crianças, estudadas por Spitz (1945), que tiveram abandonos prematuros. É
evidente que a reprodução disso tudo no campo analítico configura-se sob a
forma de poderosas resistências inconscientes, como, por exemplo, a de um
estado mental de desistência.
A evolução do
conceito de resistência, na prática analítica, sofreu uma profunda
transformação, desde os tempos pioneiros em que ela era considerada unicamente
como um obstáculo de surgimento inconveniente, até os dias de hoje, quando,
embora se reconheça a existência de resistências que obstruem totalmente o
curso exitoso de uma análise, na grande maioria das vezes o aparecimento das
resistências no processo analítico é muito bem-vindo, porquanto elas
representam, com fidelidade, a forma de como o indivíduo defende-se e resiste
no cotidiano de sua vida.
Assim, de modo
genérico, a resistência no analisando é conceituada como a resultante das
forças dentro dele, que se opõem ao analista, ou aos processos e procedimentos
à análise, isto é, que obstaculizam as funções de recordar, associar, elaborar,
bem como o desejo de mudar. Nessa perspectiva, continua vigente o postulado de
Anna Freud (1936) de que a análise das resistências não se distingue da análise
das defesas do ego, ou seja, da “permanente blindagem do caráter”.
Tipos, Fontes e Identificação
das Resistências
Freud descreveu os
tipos e fontes das resistências da seguinte maneira: “Não se deve supor que
essas correções nos proporcionem um levantamento completo de todas as espécies
de resistência encontradas na análise”. A investigação ulterior do assunto
revela que o analista tem de combater nada menos que cinco espécies de
resistência, que emanam de três direções — o ego, o id e o superego.
O ego é a fonte de três, cada uma diferindo em sua natureza dinâmica. A
primeira dessas três resistências do ego é a resistência da repressão. A
seguir vem a resistência da transferência, que é da mesma natureza, mas
que tem efeitos diferentes e muito mais claros na análise, visto que consegue
estabelecer uma relação com a situação analítica ou com o próprio analista,
reanimando assim uma repressão que deve somente ser relembrada. A terceira
resistência, embora também uma resistência do ego, é de natureza inteiramente
diferente. Ela advém do ganho proveniente da doença e se baseia numa
assimilação do sintoma no ego. Representa uma não disposição de renunciar a
qualquer satisfação ou alívio que tenha sido obtido. A quarta variedade,
que decorre do id, é a resistência que, necessita de ‘elaboração’. A
quinta, proveniente do superego e a última a ser descoberta, é também a mais
obscura, embora nem sempre a menos poderosa.
Parece
originar-se do sentimento de culpa ou da necessidade de punição, opondo-se a
todo movimento no sentido do êxito, inclusive, portanto, à recuperação do
próprio paciente pela análise”.
Freud aprofundou
bastante o estudo sobre resistências em “Inibição, Sintoma e Ansiedade” (1926),
quando, utilizando a hipótese estrutural, descreveu cinco tipos e três fontes
das mesmas. Os tipos derivados da fonte do ego eram: a) Resistência de repressão:
consiste na repressão que o ego faz, de toda percepção que cause algum
sofrimento. b) De transferência: a paciente manifesta uma resistência contra a
emergência de uma transferência “negativa”, ou “sexual”, com o seu analista. c)
De ganho secundário: pelo fato de que a própria doença concede um benefício a
certos pacientes, como histéricos, personalidades imaturas, e aqueles que estão
pleiteando alguma forma de aposentadoria por motivo de doença, essas
resistências são muito difíceis de abordar, eis que egossintônicas. d) As
resistências provindas do id: Freud as considerava como ligadas à “compulsão à
repetição” e que, juntamente com uma “adesividade da libido”, promovem uma
resistência contra mudanças. e) A resistência oriunda do superego, a mais
difícil de ser trabalhada, segundo Freud, por causa dos sentimentos de culpa
que exigem punição.
No clássico:
“Análise Terminável e Interminável” (1937), Freud introduz alguns novos
postulados teóricos-técnicos, e creio que se pode dizer que aí ele formula um
sexto tipo de resistência: a que é provinda do ego contra o próprio ego: “em
certos casos, o ego considera a própria cura como um novo perigo”. Neste mesmo
trabalho de 1937, Freud aporta outras importantes contribuições sobre
resistências, como são as seguintes: o conceito da Reação Terapêutica Negativa
(RTN) como sendo aderido ao instinto de morte; a valorização do papel da
contratransferência, sendo que ele aponta que a resistência do analisando pode
ser causada pelos “erros do analista”, a observação de que a resistência no
homem se deve ao medo dos desejos passivo-femininos em relação a outros homens,
enquanto a resistência das mulheres deve-se em grande parte à “inveja do
pênis”; e Freud também alude ao surgimento de uma “resistência contra a
revelação das resistências”.
A resistência se
manifesta clinicamente muitas vezes de maneira complexa ou sutil. Podemos
identificar atitudes de resistência como, por exemplo: a) No paciente
silencioso, de uma forma consciente ou inconsciente, o paciente se nega a
transmitir seus pensamentos, desta forma, atentar para a comunicação não
verbal. b) O discurso intelectualizado é muito racional buscando um isolamento
em alguns casos para resistir a algum afeto. c) Uma postura fixa, intranquila,
movimentos repentinos. d) Se fixa num determinado assunto, num tempo, (passado
ou presente), em trivialidades, em assuntos externos, para evitar uma
introspecção. Evita determinados temas (sexuais, agressivos). Muitas vezes, ao
invés de usar sua verbalização para comunicar, usa para confundir. e) Mostra
determinado ritual, como a rigidez no horário, traz anotações, começa a sessão
de uma mesma forma ou com assuntos já decorados. f) A maneira de falar é muito
técnica, racional ou formal. Evita certas palavras pelo seu sinônimo. Fala muito
enfaticamente sobre algo. Fala por subentendidos e enigmas, fazendo da análise
um jogo de adivinhação. Já outros transformam a sessão em polêmica, como se a
análise fosse um jogo de opiniões.
Definição, Conceitos e o
Manejo com a Resistência
É toda e qualquer
força interna do paciente que se opõe ao processo terapêutico. É um
reerguimento das defesas do paciente. As pessoas, no desenvolvimento de seu
Ego, frente às vicissitudes inerentes à sua socialização e aprendizado de vida,
constroem mecanismos de defesas normais, para que suas pulsões possam se
manifestar, porém de uma maneira adequada, dentro de um padrão de ordem moral e
social. O complicador é quando estes mecanismos de defesa, devido a traumas
psicológicos excessivos (positivos ou negativos), são construídos e atuados, de
uma forma exacerbada, aos moldes de um quimioterápico anticancerígeno que, em
doses excessivas matam, além das células cancerígenas, também as células
normais, e consequentemente a pessoa.
Podemos dizer que
as forças resistenciais que se erguem no “setting” analítico, são as mesmas
forças dos mecanismos de defesa normais e patológicas, que o indivíduo usa no
seu cotidiano para manter sua sobrevivência. As resistências são a manutenção
do “status quo” que com tanto sacrifício, o paciente montou, no transcorrer de
seu desenvolvimento. O principal motivo da resistência é a de evitar um
“sofrimento”, ou seja, de passar por tudo aquilo, pelo qual ele mantém
reprimido.
São forças
internas, inconscientes ou conscientes, do analisando que se opõe ao analista,
ao processo, e aos procedimentos da análise, obstaculizando a função de
recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de mudar. Ao contrário, de ser
um obstáculo indesejável, é sempre bem vinda, porquanto representa a forma de como
o indivíduo defende-se e resiste, no cotidiano de sua vida, e compreendendo o
analista, a este “modus operandis” de se defender, pode ele, demonstrar ao
paciente como que ele construiu suas defesas, “como que ele funciona”.
Quanto mais frágil
o ego do paciente, mais forte o é para resistir. Em pacientes mais regredidos,
estes opõem sérias resistências às mudanças, e desejam manter as coisas como
elas estão, não porque não desejam curar-se, mas é que não acreditam nas
melhoras, ou que as mereçam, ou porque correm o “sério risco” de voltar a
sentir as dolorosas experiências passadas, (traição, humilhação). “Seu objetivo
de vida é para sobreviver e não para viver”.
Por isso enquanto
houver “re-sistência” (no sentido de re = voltar e sistência = existir), a análise
flui bem, porém quando a forma de resistência é a de “de-sistência” (de ser),
ou seja o indivíduo não tem desejo para mais nada na vida, o único desejo seu,
é o não ter desejo (que podem representar os suicidas em potencial). Sempre
haverá de existir resistência do início ao fim da análise. Para se interpretar
a resistência, deve-se primeiro, demonstrá-la e esclarecê-la.
O paciente,
segundo Bion, mantém com o analista, um “acordo manifesto” e um “desacordo
latente”. Aparentemente ele é assíduo, colaborador, gentil, que concorda com o
analista (aparentemente aceitando as interpretações), porém no fundo, ele as
desvitaliza, achando-as não importantes, entra por um ouvido e sai pelo outro,
e de uma maneira sutil, sem demonstrar contradição vai impondo e mantendo suas
próprias opiniões, sem aceitar as do analista.
Muitas vezes
conscientemente por vergonha ou medo de ser rejeitado pelo analista, escondem
algum assunto que acham, que vão “desonrá-lo” perante o analista, querem manter
uma imagem positiva diante do analista, e para fugir do assunto passam a falar
sobre trivialidades.
Desta forma,
muitas vezes o analista nota que o paciente tem algo que não quer dizer, e que
mantém por muito tempo, um segredo consciente. O motivo pelo qual detectado,
que o paciente está a esconder algo, e de sempre apontar este fato, é que um
determinado segredo, funciona como um ímã, para outros segredos, recordações, e
impulsos, bloqueando o livre curso da análise.
Quando o paciente
contar o “segredo”, sentirá um alívio e quando perceber que a reação do
analista, independente de qual tenha sido o fato, foi de total naturalidade,
passa a contar coisas que eram difíceis de tocar. Logo, sempre devemos tratar o
segredo confessado com muito respeito, naturalidade e que merece ser tratado
normalmente. Depois de confessado ou analisamos como o paciente se sente ou
analisamos o conteúdo do segredo.
Os segredos
geralmente têm conotação vergonhosa e repugnante (no modo de ver do paciente),
relacionados com secreção, excreção ou atividades sexuais, ou como já dito, de
algo que o paciente ache que vai desabonar sua imagem perante o analista.
A resistência pode
ser consciente, pré-consciente ou inconsciente e pode ser expressa por meio de
emoções, atitudes, ideias, impulsos, pensamentos, fantasias ou ações. A
resistência em essência, uma força opositora no paciente, agindo contra o
progresso da análise, contra o analista e contra os procedimentos e processos
analíticos. Já em 1912 Freud havia reconhecido a importância da resistência ao
afirmar: “A resistência acompanha o tratamento em todos os seus passos. Toda e
qualquer associação, todo o ato da pessoa em tratamento deve contar com a
resistência e ela representa um compromisso entre as forças que estão lutando
pela recuperação e as forças opositoras”.
Fragmentos da Obra de Freud sobre Resistência
O processo
de formação da resistência
A resistência do
paciente apresenta-se sob muitíssimos tipos, extremamente sutis e frequentemente
difíceis de detectar; e mostra mutações cambiantes nas formas em que se
manifesta. No tratamento psicanalítico, fazemos uso da mesma técnica da
interpretação de sonhos. Instruímos o paciente para se colocar em um estado de
auto-observação tranquila, irrefletida, e nos referir quaisquer percepções
internas que venha a ter — sentimentos, pensamentos, lembranças — na ordem em
que lhe ocorrem. Ao mesmo tempo, advertimo-lo expressamente a não deixar que
algum motivo o leve a fazer uma seleção entre essas associações ou a excluir
alguma dentre elas, seja porque é muito desagradável ou muito indiscreta para
ser dita, ou porque é muito banal ou irrelevante, ou que é absurda e não
necessita ser dita. Sempre insistimos com o paciente para seguir apenas a
superfície de sua consciência e pôr de lado toda crítica sobre aquilo que
encontrar, qualquer que seja a forma que esta crítica possa assumir; e
asseguramos-lhe que o sucesso do tratamento e, sobretudo sua duração, depende
da conscienciosidade com que ele obedece a esta regra técnica fundamental da
análise.
Já sabemos, da
técnica da interpretação de sonhos, que aquelas associações que originam as
dúvidas e objeções, são justamente as que invariavelmente contêm o material que
leva à descoberta do inconsciente. A primeira coisa que conseguimos ao
estabelecer a regra técnica fundamental é que ela se transforma no alvo dos
ataques da resistência. O paciente procura, por todos os meios, livrar-se das
exigências desta regra. Num momento, declara que não lhe ocorre nenhuma ideia;
no momento seguinte, que tantos pensamentos se acumulam dentro de si, que não
pode apreender nenhum.
Ora constatamos
com desgostosa surpresa que o paciente cedeu primeiro a uma e, depois a mais
outra objeção crítica, revelada pelas longas pausas que introduz em seus
comentários. E logo depois, admite que existe algo que de fato não pode dizer,
pois tem vergonha e permite que este motivo prevaleça sobre sua promessa. Ou
diz que lhe ocorreu algo, mas que isto se refere a outra pessoa, e não a ele
mesmo, e, em vista disso, não há por que referi-lo. Ou ainda, aquilo que agora
lhe acudiu à mente é realmente sem importância, excessivamente tolo e sem
sentido. E assim continua, com inumeráveis variações e apenas se pode replicar
que ‘dizer tudo’ realmente significa ‘dizer tudo’. Dificilmente haver-se-á de encontrar
um único paciente que não faça uma tentativa de reservar uma ou outra região
para si próprio, de modo a evitar que o tratamento tenha acesso a ela.
É uma regular
tempestade em copo d’água. No entanto, o paciente está desejoso de argumentar;
anseia fazer como que passemos a instruí-lo, ministrar-lhe ensinamentos,
contradizê-lo, iniciá-lo na literatura, de modo que possa adquirir mais
conhecimentos. Está muito disposto a tornar-se um adepto da psicanálise — com a
condição de que a análise poupe a sua pessoa. Mas reconhecemos esta curiosidade
como sendo resistência, como manobra tendente a nos desviar de nossas tarefas
específicas, e repelimo-la.
No caso de um
paciente obsessivo, haveremos de esperar táticas de resistências especiais. Frequentemente,
permitirá que a análise prossiga sem empecilhos em seu caminho, de modo que ela
possa esclarecer, cada vez melhor, o enigma de sua doença. Começamos a nos
admirar, por fim, de este aclaramento não se acompanhar de nenhum efeito
prático, nenhuma diminuição dos sintomas. Então conseguimos perceber que a
resistência se refugiou dentro da dúvida, que é própria da neurose obsessiva.
É como se o
paciente dissesse: ‘Sim, está tudo muito bem, muito interessante, e terei muita
satisfação em prosseguir ainda mais. Eu mudaria um bocado minha doença, se tudo
isto fosse verdade. Mas não acredito, nem um pouco, que seja verdade; e, na
medida em que não acredito, não faz qualquer diferença para minha doença.’ As
coisas podem continuar assim por longo tempo, até que finalmente a pessoa
enfrenta diretamente essa atitude de reserva, e então se fere a batalha
decisiva. As resistências intelectuais não são as piores: sempre é possível
superá-las.
O paciente também
sabe, contudo, como erguer resistência sem sair do esquema de referência da
análise, e a superação desta situação está entre os problemas técnicos mais
difíceis. Em vez de recordar, repete atitudes e impulsos emocionais do início
de sua vida, que podem ser utilizados como resistência contra o psicanalista e
tratamento, através do que se conhece como ‘transferência’. Se o paciente é um
homem, geralmente extrai este material de sua relação com seu pai, em cujo
lugar coloca o psicanalista, e dessa forma constrói resistências que surgem a
partir de seu esforço de se tornar independente, em si próprio e em sua
opinião, a partir de sua ambição, cujo objetivo primeiro consistia em fazer as
coisas tão bem como seu pai, ou superá-lo; ou a partir de sua aversão a se
endividar, pela segunda vez na vida, com uma carga de gratidão. Assim, às
vezes, tem-se a impressão de que o paciente substitui inteiramente sua melhor
intenção de pôr um fim à sua doença, pela intenção alternativa de negar que o
psicanalista tenha razão, de fazer com que este reconheça sua impotência e de
triunfar sobre ele.
As mulheres têm um
talento de mestre para explorar, na relação com o psicanalista, uma
transferência afetuosa, com nuances eróticas, destinada à resistência. Se esta
ligação atinge determinado nível, desaparece todo o seu interesse pela situação
imediata do tratamento e todas as obrigações que assumiram no início; seu
ciúme, que nunca está ausente, e sua irritação ante a inevitável rejeição,
embora expressos respeitosamente, não podem deixar de ter como efeito um dano
na harmonia entre paciente e analista, e assim inativam uma das mais poderosas
forças motrizes da análise. Resistências deste tipo não devem ser condenadas
apressadamente. Incluem tanto material importante do passado do paciente e
trazem-no à lembrança de forma tão convincente, que elas se tornam os melhores
suportes da análise, se uma técnica habilidosa soube dar-lhes o rumo
apropriado. Também se pode dizer que aquilo que se mobiliza para lutar contra
as modificações que nos esforçamos por efetivar, são traços de caráter,
atitudes do ego. Com referências a este aspecto, descobrimos que esses traços
de caráter foram formados em conexão com as causas da neurose e como reação
contra as exigências desta; e encontramos traços que normalmente não conseguem
emergir ou não podem emergir no mesmo grau, e que poderia descrever como
latentes. Na verdade, chegamos a compreender, finalmente, que a superação
dessas resistências constitui a função essencial da análise e é a única parte
do nosso trabalho que nos dá a segurança de havermos conseguido algo com o
paciente. Se refletirem também que o paciente transforma todos os eventos
casuais, ocorrentes durante a análise, em interferências no tratamento; que ele
utiliza, como motivos para afrouxar seus esforços, todo acontecimento
perturbador externo à análise, todo comentário feito por uma pessoa ou
autoridade, em seu ambiente, hostil à psicanálise, toda doença orgânica
eventual ou tudo aquilo que complica sua neurose, e até mesmo, na verdade, toda
melhora em seu estado — se considerarem tudo isto, terão obtido uma imagem
aproximada, embora ainda incompleta, das formas e dos métodos da resistência; e
a luta contra esta resistência faz parte de toda análise.
Portanto, temos
tido a possibilidade de nos convencer de que, em ocasiões incontáveis no
decurso de sua análise, a mesma pessoa abandonará sua atitude crítica e depois
a reassumirá. Se estivermos na iminência de trazer-lhe à consciência uma
parcela de material inconsciente especialmente desagradável, a pessoa se torna
extremamente crítica; pode ter empreendido e aceito muitas coisas previamente,
agora, todavia, é simplesmente como se aquelas aquisições tivessem sido
anuladas; em seu esforço de se opor, a todo custo, pode oferecer o quadro
completo de um imbecil emocional. Se, contudo, conseguimos ajudá-la a superar
essa nova resistência, ela recupera sua compreensão interna (insight) e
entendimento. Sua faculdade crítica não é, assim, uma função independente a ser
respeitada como tal, é o instrumento de suas atitudes emocionais e orienta-se
segundo sua resistência.
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