Resistência – Sintomas e
Repressão
O paciente luta
contra a remoção de seus sintomas e o estabelecimento de seus processos
mentais? Dizemos a nós mesmos que conseguimos descobrir, aqui, forças poderosas
que se opõem a qualquer modificação na condição do paciente; devem ser as
mesmas que, no passado, produziram esta condição. Durante a formação de seus
sintomas, algo deve ter-se passado, que agora podemos reconstituir a partir de
nossas experiências durante a resolução de seus sintomas. Através da observação
de Breuer, que há uma precondição para a existência de um sintoma: algum
processo mental deve não ter sido conduzido normalmente até seu objetivo normal
— que era o objetivo de poder tornar-se consciente. O sintoma é o substituto
daquilo que não aconteceu nesse ponto. Agora sabemos em que ponto deve
localizar a ação da força que presumimos. Uma violenta oposição deve ter-se
iniciado contra o acesso à consciência do processo mental censurável, e, por
este motivo, ele permaneceu inconsciente. Por constituir algo inconsciente,
teve o poder de construir um sintoma. Esta mesma oposição, durante o tratamento
psicanalítico, se insurge, mais uma vez, contra nosso esforço de tornar
consciente aquilo que é inconsciente. É isto o que percebemos como resistência.
Propusemos dar ao processo patogênico, que é demonstrado pela resistência, o
nome de repressão.
Devemos formar ideias
mais definidas acerca do processo de repressão. Esta é a precondição da
formação dos sintomas; também é, contudo, algo em relação ao qual não
encontramos nada semelhante. Tomemos como nosso modelo um impulso, um processo
mental que tenta transformar-se em ação. Sabemos que pode ser repelido por
aquilo que denominamos rejeição ou condenação. Quando isto acontece, a energia
à sua disposição é retirada dele; o impulso torna-se impotente, ainda que possa
persistir como lembrança. Todo o processo de chegar a uma decisão referente ao
mesmo segue seu curso no âmbito do conhecimento do ego. Passa-se algo muito
diverso quando o mesmo impulso está sujeito à repressão. Nesse caso, ele
conservaria sua energia e dele não restaria nenhuma recordação; além disso, o
processo de repressão seria realizado sem ser percebido pelo ego. Se um
processo permaneceu inconsciente, o fato de ser ele mantido afastado da
consciência talvez possa ser apenas uma indicação de alguma vicissitude por que
passou, e não a vicissitude mesma. A fim de formar uma imagem dessa
vicissitude, suponhamos que todo processo mental — devemos admitir uma exceção
que mencionaremos numa fase posterior — exista, inicialmente, em um estádio ou
fase inconsciente, e que é somente dali que o processo se transporta para a
fase consciente, da mesma forma como uma imagem fotográfica começa como
negativo e só se torna fotografia após haver-se transformado em positivo. Nem
todo negativo transforma-se, contudo, necessariamente em positivo; e não é
necessário que todo processo mental inconsciente venha a se tornar consciente.
Para qualquer impulso, porém, a vicissitude da repressão consiste em o guarda
não lhe permitir passar do sistema do inconsciente para o do pré-consciente.
Trata-se do mesmo guarda que vimos a conhecer como resistência, quando tentamos
suprimir a repressão por meio do tratamento analítico. O sintoma é um
substituto de algo que foi afastado pela repressão. Ao investigar a
resistência, constatamos que ela emana de forças do ego, de traços de caráter
conhecido e latente. São estes, pois, os responsáveis pela repressão, ou, pelo
menos, têm uma participação nela. Os sintomas podem ser adequadamente
visualizados, como satisfações substitutivas daquilo que se perde na vida. Sem
dúvida, pode-se ainda levantar toda classe de objeções à asserção de que os
sintomas neuróticos são substitutos de satisfações sexuais. Em psicanálise, os
contrários não importam em contradição. Poderíamos ampliar nossa tese e dizer
que os sintomas objetivam ou uma satisfação sexual ou o rechaço da mesma, e
que, na totalidade, o caráter positivo de realização de desejo prevalece na
histeria e o negativo, ascético, na neurose obsessiva. Se os sintomas podem
servir tanto à satisfação sexual como ao seu oposto.
Resistência e Anticatexia
Importante
elemento da teoria da repressão é a opinião de que a repressão não é um fato
que ocorre uma vez, mas que exige um dispêndio permanente de energia. Se esse
dispêndio viesse a cessar, o impulso reprimido, que está sendo alimentado todo
o tempo a partir de suas fontes, na ocasião seguinte fluiria pelos canais dos
quais havia sido expulso, e a repressão ou falharia em sua finalidade ou teria
de ser repetida um número indefinido de vezes. Assim, é porque os instintos são
contínuos em sua natureza que o ego tem de tornar segura sua ação defensiva por
um dispêndio permanente de energia. Essa ação empreendida para proteger a
repressão é observável no tratamento analítico como resistência. A resistência
pressupõe a existência da anticatexia. Uma anticatexia dessa espécie é
claramente observada na neurose obsessiva. Ela aparece ali sob a forma de uma
alteração do ego, como uma formação reativa no ego, e é efetuada pelo reforço
da atitude que é o oposto da tendência instintual que tem de ser reprimida —
como, por exemplo, na piedade, na consciência e no asseio. Essas formações
reativas de neurose obsessiva são essencialmente exageros dos traços normais do
caráter que se desenvolvem durante o período de latência. A presença de uma
anticatexia na histeria é muito mais difícil de detectar, embora teoricamente
seja igualmente indispensável. Na histeria, também, uma quantidade de alteração
do ego através da formação reativa é inegável e em algumas circunstâncias se
torna tão acentuada que se força à nossa atenção como o principal sintoma. O
conflito devido à ambivalência, por exemplo, é transformado em histeria por
esse meio.
O ódio do paciente
por uma pessoa a quem ele ama é mantido em baixo nível por uma quantidade
reduzida de ternura e apreensão da parte dela. Mas a diferença entre as
formações reativas na neurose obsessiva e na histeria é que na segunda não têm
a universidade de um traço de caráter, mas estão confinadas a relações
específicas. Uma histérica, por exemplo, pode ser especialmente afetuosa com
seus próprios filhos, os quais no fundo ela odeia; mas por causa disso ela não
será mais amorosa, em geral, do que outras mulheres ou mais afetuosa para com
outras crianças. A formação reativa da histeria apega-se tenazmente a um objeto
específico e jamais se difunde por uma disposição geral do ego, ao passo que o
que é característico da neurose obsessiva é precisamente uma difusão dessa
espécie — um afrouxamento de relações na escolha de objeto.
Há outra espécie
de anticatexia, contudo, que parece mais adequada ao caráter peculiar da
histeria. Um impulso instintual reprimido pode ser ativado (novamente
catexizado) a partir de duas direções: de dentro, através de reforço de suas
fontes internas de excitação, e de fora, através da percepção de um objeto que
ele deseja. A anticatexia histérica é principalmente dirigida para fora, contra
percepções perigosas. Assume a forma de uma espécie especial de vigilância que,
por meio de restrições do ego, causa situações a serem evitadas que
ocasionariam tais percepções, ou, se de fato ocorrerem consegue afastar delas a
atenção do paciente. A resistência tem de ser superada na análise, provém do
ego que se apega a suas anticatexias. É difícil para o ego dirigir sua atenção
para percepções e ideias que ele então estabeleceu como norma evitar, ou
reconhecer como pertencendo a si próprio, impulsos que são o oposto completo
daqueles que ele conhece como seus próprios. Nossa luta contra a resistência na
análise baseia-se nesse ponto de vista dos fatos. Se a resistência for ela
mesma inconsciente, como tão amiúde acontece, devido à sua ligação com o
material reprimido, nós, a tornamos consciente. Se for consciente, ou quando se
tiver tornado consciente, apresentamos argumentos lógicos contra ela;
prometemos ao ego recompensas e vantagens se ele abandonar sua resistência. Não
pode haver nenhuma dúvida ou erro sobre a existência dessa resistência por parte
do ego. Mas temos de perguntar a nós mesmos se ela abrange todo o estado de
coisas na análise, pois verificamos que mesmo após o ego haver resolvido
abandonar suas resistências ele ainda tem dificuldades em desfazer as
repressões; e denominamos o período de ardoroso esforço que se segue, depois de
sua louvável decisão, de fase de ‘elaboração’. O fator dinâmico que torna uma
elaboração desse tipo necessária e abrangente não está longe para se procurar.
Pode ser que depois de a resistência do ego ter sido removida, o poder da
compulsão à repetição — a atração exercida pelos protótipos inconscientes sobre
o processo instintual reprimido — ainda tenha de ser superado.
Nada há a dizer
contra descrever esse fator como a resistência do inconsciente. Não há qualquer
necessidade de se ficar desestimulado por causa dessas correções. Devem ser bem
escolhidas se acrescentarem algo ao nosso conhecimento, e não constituem
vergonha alguma para nós, na medida em que antes enriquecem do que invalidam
nossos pontos de vista anteriores — limitando algum enunciado, talvez, que era
por demais geral ou ampliando alguma ideia que foi muito estreitamente
formulada.
Uma Visão
Kleiniana sobre Resistência
Klein descreveu a
resistência na análise como sendo a manifestação de uma transferência negativa.
Em contraste, a psicanálise clássica considerava a resistência como uma
repressão da libido. Trata-se de uma diferença decisiva, que dá origem a tipos
de interpretação radicalmente diferentes e expectativas de eficácia terapêutica
também radicalmente diferente. Na opinião de Klein, a resistência
apresentava-se como uma forma de evitar o relacionamento com ela própria ou
como uma forma de evitar os jogos com brinquedos: “Minha experiência confirmou
minha crença de que, se construo a antipatia, imediatamente como ansiedade e
sentimento transferencial negativo e a interpreto como tal em conexão com o
material que a criança ao mesmo tempo produz, remontando-o depois de volta ao
seu objeto original, qual seja, a mãe, posso imediatamente observar que a
ansiedade diminui. Isto se manifesta pelo começo de uma transferência mais
positiva e, com esta, de um brincar mais vigoroso. Pela resolução de alguma
parte da transferência negativa, obteremos então, tal como acontece com os
adultos, um aumento da transferência positiva e esta, de acordo com a
ambivalência da infância, será em breve, por sua vez, sucedida por uma
reemergência da negativa”. (Klein, 1927). Interpretações desse tipo eram
“contra a prática costumeira” (Klein – 1955) e ela entrou em disputa com Anna
Freud a respeito do manejo da resistência e da transferência negativa.
Klein estudou as
inibições no brincar com grandes detalhes e deu-se conta do impacto enorme dos
sentimentos agressivos no desenvolvimento da simbolização e, portanto, na
totalidade do funcionamento intelectual. Klein demonstrou que o brincar era tão
simbólico quanto as palavras, ainda que envolvesse descarga muscular. Dessa
maneira, a fantasia não era necessariamente um método de descarga alternativo à
ação corporal, como Freud contentara-se em deixá-la ser, mas concomitante
profundamente importante, senão a mola mestra, da descarga física de energia. A
formação de símbolos é um recurso primário na expressão, tanto interna quanto
externa da atividade inconsciente da fantasia, em qualquer momento determinado.
A externalização destas fantasias no brincar simbólico e na personificação é
impulsionada pela necessidade de colocar a certa distância, estados internos de
perseguição. Klein estava demonstrando, portanto, que os símbolos, como
substitutos, constituem uma estratégia defensiva, e que a análise do processo
de simbolização é uma análise das defesas.
Mediante sua
compreensão da personificação dos objetos internos e, eventualmente de partes
do ego (identificação projetiva), percebeu que estava lidando com o tipo de
defensividade que é adotado pelos psicóticos. A resistência psicótica é um
ataque à capacidade que tem a mente de pensar e conhecer (a pulsão
epistemofílica), mencionado por Bion (1959) como “ataques aos elos de ligação”.
Na teoria da esquizofrenia de Bion, ele descreveu os ataques ao próprio ego,
que representavam as experiências que Klein (1946) encarava como sendo os
efeitos da pulsão de morte agindo dentro – a sensação de estar-se despedaçando.
Bion descreveu particularmente um ataque à percepção da realidade interna. A
resistência, igualada à transferência negativa, representava uma manifestação
clínica da pulsão de morte. Freud pouco depois da Primeira Guerra Mundial
(1920) admitiu a existência da agressão. O conceito veio a mais ou menos se
fundir com o de reação terapêutica negativa. A presunção geral tem sido de que,
por correta que tenha sido a interpretação que provocou uma reação negativa no
paciente, tem de haver uma “mais correta”, que entenderia esta reação negativa.
Klein foi das primeiras entre os que consideraram a agressão como sendo
pulsional. Entretanto, por enfatizar as fantasias inconscientes, apoiava a
visão de Freud de que as pulsões nos seres humanos são extraordinariamente
maleáveis. Klein achava que a inevitabilidade da agressão em si não era
otimista nem pessimista; cada indivíduo se empenha em sua própria luta pessoal
contra seus próprios impulsos agressivos.
Freud deu-se
conta, para sua consternação, que havia alguns pacientes que reagiam mal às
interpretações analíticas: ficavam piores com interpretações boas, antes que
melhores. Ele ficou afrontado pelo hábito do “Homem dos Lobos” de produzir
“reações negativas” transitórias; todas as vezes que algo havia sido
conclusivamente esclarecido, ele tentava contradizer o efeito (Freud-1917).
Várias tentativas foram feitas para compreender a reação: a) Culpa: Freud
atribuiu-a à culpa, especialmente à culpa inconsciente, que leva a uma
necessidade de punição; o paciente alcança esse castigo sob a forma de padecer
de má saúde. b) Pulsão de morte: em 1924, Freud especulou sobre o papel da
pulsão de morte na reação terapêutica negativa. c) Posição depressiva: Riviere
(1936) tirou algumas conclusões à luz da posição depressiva de Klein, as quais
mostravam a importância das relações objetais envolvidas na culpa inconsciente:
um medo de ser responsável pelo dano ou pela morte do objeto bom, especialmente
do objeto bom internalizado. Apontou ela que se interpretar a um paciente
culpado o que se acha errado com ele, isso o fará sentir-se mais culpado ainda,
por estar dessa maneira errado. Advogou ela o equilíbrio entre interpretações
das partes más do self e interpretações das partes boas, ponto de vista
endossado por Rosenfeld (1987). d) Inveja: No mesmo ano (1936), Horney
argumentou que a reação terapêutica negativa resultava da inveja do analista,
isto é, de um desejo de estragar o trabalho deste último. Sob muitos aspectos,
isto remonta a um breve artigo da autoria de Abraham (1919), a respeito de pacientes
que não podem suportar o trabalho bem-sucedido do analista.
Um outro
viés sobre Resistência - de Freud a Lacan
Freud escreveu que “A constituição
psíquica de um homem que reflete é muito diferente daquela de um homem que
observa suas próprias reflexões. Há concentração nos dois casos, mas na
reflexão há algo mais: uma crítica. Essa crítica faz eliminar uma parte das ideias
surgidas após a percepção. Ela interrompe outras, no meio do caminho, impede a
passagem; outras, enfim, não chegam nem mesmo a ultrapassar o limite da
consciência; elas são recalcadas antes da percepção”.
A atitude crítica
aparece assim na análise, como uma barreira; ela cessa então, por conseguinte,
quando ela for analisada como uma resistência. Se for verdade que o conceito de
resistência à análise não pode se unificar, por razões não acidentais ou não
contingentes, então o conceito de análise e de análise psicanalítica, o
conceito mesmo de psicanálise terá conhecido o mesmo destino. Só podendo ser
determinada, pode-se dizer, na adversidade e com relação àquilo que lhe
resiste, a psicanálise não se reunirá nunca na unidade de um conceito ou de uma
tarefa. Se não há uma resistência, não há a psicanálise - que se entenda aqui
como um sistema de normas teóricas ou como estatuto das práticas
institucionais.
Toda resistência
supõe uma tensão, e primeiramente uma tensão interna. Mas uma tensão puramente
interna sendo impossível trata-se de uma inerência absoluta do outro ou de fora
do coração da tensão interna e auto afetiva. O double bind é [...] o que não dá
lugar, enquanto tal, nem à análise nem à síntese, nem à analítica nem à
dialética. Ele provoca ao infinito a analítica e a dialética, mas é para lhes
resistir absolutamente.
Na segunda
necessidade devemos, segundo ele, pensar essa resistência como restância
[restance] do resto, isto é, de maneira não simplesmente ontológica (nem
analítica, nem dialética), pois a restância [restance] do resto não é
psicanalítica.
A personalidade
analisada não é somente o lugar de um segredo, - o segredo do inconsciente; ela
é agora percebida como um conjunto que visa a defender o acesso a esse segredo.
Esta defesa, isto é, o recalque e sua tradução, a resistência, é um novo
segredo. É um mecanismo inconsciente. - A regra fundamental da psicanálise
encontra na teoria da resistência seu complemento indispensável e sua
verdadeira justificativa. Ao mesmo tempo, a regra fundamental torna-se o
instrumento analisador não mais somente de uma investigação clínica, mas ainda
de uma dinâmica que se dispõe a tratar o indivíduo, desta vez, não mais somente
descobrindo o segredo de sua doença, mas atacando o centro dinâmico de seus
conflitos.
Lacan dedica a
primeira parte de seu seminário 1, Os Escritos Técnicos de Freud, para discutir
a questão das resistências. Lacan diz que não pode haver uma "two-body's
psychology", ou seja, uma relação analítica sem a intervenção de um
terceiro elemento. Esse terceiro elemento é a fala, a linguagem. Sabemos que um
analista pode fazer uma interpretação corretíssima e não obter nenhuma resposta
se fez esta comunicação num momento inoportuno. Freud percebe, desde o momento
em que abandona a hipnose, que alguma coisa no paciente resistia a essa
reintegração do passado.
É importante, no
entanto, compreender que esta reintegração não tem o sentido de revivência ou
rememoração. Reintegrar é tomar de volta aquilo que se dispersou. É fazer
voltar ao todo as partes que se desligaram. Esse retorno dos elementos
inconscientes ao todo da consciência não se opera por simples rememoração. Além
disso, em textos iniciais de Freud aparece a ideia de que a análise irá
"tornar consciente o que é inconsciente", ideia que não se sustenta
posteriormente, quando o inconsciente ganha o estatuto de sistema psíquico,
fazendo parte, portanto, de nossa estrutura.
Lacan também relê
os Estudos sobre a Histeria, primeiro trabalho de Freud que tenta dar conta de
uma clínica. Neste texto, Lacan encontra a noção de que a resistência provém do
núcleo do recalcado. Haveria uma força de repulsão que se exerce a partir do
núcleo do recalcado. Quanto mais nos aproximamos deste núcleo, maior a
resistência.
Este pensamento
faz parte de uma ideia inicial de Freud, que supunha que o inconsciente
resiste. No entanto, posteriormente, ele afirma que o inconsciente insiste, na
tentativa de se fazer consciente. A resistência provém de outro lugar que,
embora não pertença ao sistema inconsciente, também pode ser definido enquanto
tal, pois é a parte inconsciente do eu.
Ao discutirmos a
questão da resistência, aparece também a dúvida sobre o que seria a
contratransferência, tema controvertido da psicanálise. Lacan acaba por
defini-la como "a função do ego do analista (...) a soma dos preconceitos
do analista”. Ao discutir mais longamente sobre a técnica, e também ao elaborar
sua teoria dos quatro discursos (seminário 17), Lacan vai definir a posição do
analista como sendo a de objeto. Ali, durante a situação analítica, o analista
não é nem sujeito, nem eu, é objeto. Contratransferência seria colocar o eu
nessa relação, com seus preconceitos e com sua demanda de amor. Por causa
disso, não podemos falar que a análise é uma relação de eu a eu (ego a ego),
até porque estão presente ali sujeito e objeto, e também a linguagem.
Freud nos diz que
quando o paciente se cala é, provavelmente, porque lhe ocorre algum pensamento
que tem a ver com o analista. Lacan nos aconselha a não fazer perguntas do
tipo: você tem alguma ideia que tem a ver comigo? Isto direciona a atenção do
paciente e impede o surgimento de algo mais puro. Lacan diz que, neste momento,
o paciente pode, de repente, "realizar a presença do analista". É um
fenômeno em que o paciente, de repente, percebe que existe ali um outro que o
escuta.
Lacan acentua o
fato de que não podemos colocar a resistência apenas como uma das defesas
psíquicas. Ela é, acima de tudo, um fenômeno localizado na experiência
analítica. No movimento de revelação do sujeito, aparece a resistência. Se esta
resistência for muito forte, surge a transferência. Portanto, a transferência
na análise exerce uma função específica. Ela faz com que o inconsciente do
paciente se atualize na pessoa do analista. Ao reportar suas associações mais
recalcadas à pessoa do analista, o paciente está atualizando o seu
inconsciente.
Lacan diz que a
palavra recalcada é uma "palavra verídica". É a palavra como
revelação. "A resistência se produz no momento em que a palavra como
revelação não se diz e o sujeito não tem mais saída”. Lacan conclui falando
sobre a paradoxal posição do analista, que deve intervir no discurso do sujeito,
enunciando ele uma palavra plena ou uma palavra vazia. No caso da palavra
vazia, é preciso tentar extrair dela o que há de verídico. No entanto, quando a
palavra verídica surge, não é mais do que por um momento. O eu (que é
gestaltista, pois se constitui a partir de uma imagem, de uma boa forma), vai
tentar tapar este buraco de abertura para o inconsciente, restaurando sua forma
anterior. É preciso que o analista aponte esta palavra verdadeira para que o
analisando possa continuar elaborando aquilo que surgiu.
São duas funções
da palavra que aparecem na análise e que se contrapõem, a palavra vazia que tem
sua função de comunicação entre o eu e o outro e a palavra verídica, que é a
fala do sujeito. O eu, em sua relação com o outro, é portador desta palavra
vazia sendo que, na análise, sua função é a do desconhecimento. Não há
possibilidade de êxito quando se comunica ao eu do paciente aquilo que ainda
está sob forte resistência. O único caminho possível é seguir pelas trilhas das
associações, para que o sujeito possa se manifestar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário e cadastre-se no Blog!