20/04/2019

Resistência – Parte 2


Resistência – Sintomas e Repressão
O paciente luta contra a remoção de seus sintomas e o estabelecimento de seus processos mentais? Dizemos a nós mesmos que conseguimos descobrir, aqui, forças poderosas que se opõem a qualquer modificação na condição do paciente; devem ser as mesmas que, no passado, produziram esta condição. Durante a formação de seus sintomas, algo deve ter-se passado, que agora podemos reconstituir a partir de nossas experiências durante a resolução de seus sintomas. Através da observação de Breuer, que há uma precondição para a existência de um sintoma: algum processo mental deve não ter sido conduzido normalmente até seu objetivo normal — que era o objetivo de poder tornar-se consciente. O sintoma é o substituto daquilo que não aconteceu nesse ponto. Agora sabemos em que ponto deve localizar a ação da força que presumimos. Uma violenta oposição deve ter-se iniciado contra o acesso à consciência do processo mental censurável, e, por este motivo, ele permaneceu inconsciente. Por constituir algo inconsciente, teve o poder de construir um sintoma. Esta mesma oposição, durante o tratamento psicanalítico, se insurge, mais uma vez, contra nosso esforço de tornar consciente aquilo que é inconsciente. É isto o que percebemos como resistência. Propusemos dar ao processo patogênico, que é demonstrado pela resistência, o nome de repressão.
Devemos formar ideias mais definidas acerca do processo de repressão. Esta é a precondição da formação dos sintomas; também é, contudo, algo em relação ao qual não encontramos nada semelhante. Tomemos como nosso modelo um impulso, um processo mental que tenta transformar-se em ação. Sabemos que pode ser repelido por aquilo que denominamos rejeição ou condenação. Quando isto acontece, a energia à sua disposição é retirada dele; o impulso torna-se impotente, ainda que possa persistir como lembrança. Todo o processo de chegar a uma decisão referente ao mesmo segue seu curso no âmbito do conhecimento do ego. Passa-se algo muito diverso quando o mesmo impulso está sujeito à repressão. Nesse caso, ele conservaria sua energia e dele não restaria nenhuma recordação; além disso, o processo de repressão seria realizado sem ser percebido pelo ego. Se um processo permaneceu inconsciente, o fato de ser ele mantido afastado da consciência talvez possa ser apenas uma indicação de alguma vicissitude por que passou, e não a vicissitude mesma. A fim de formar uma imagem dessa vicissitude, suponhamos que todo processo mental — devemos admitir uma exceção que mencionaremos numa fase posterior — exista, inicialmente, em um estádio ou fase inconsciente, e que é somente dali que o processo se transporta para a fase consciente, da mesma forma como uma imagem fotográfica começa como negativo e só se torna fotografia após haver-se transformado em positivo. Nem todo negativo transforma-se, contudo, necessariamente em positivo; e não é necessário que todo processo mental inconsciente venha a se tornar consciente. Para qualquer impulso, porém, a vicissitude da repressão consiste em o guarda não lhe permitir passar do sistema do inconsciente para o do pré-consciente. Trata-se do mesmo guarda que vimos a conhecer como resistência, quando tentamos suprimir a repressão por meio do tratamento analítico. O sintoma é um substituto de algo que foi afastado pela repressão. Ao investigar a resistência, constatamos que ela emana de forças do ego, de traços de caráter conhecido e latente. São estes, pois, os responsáveis pela repressão, ou, pelo menos, têm uma participação nela. Os sintomas podem ser adequadamente visualizados, como satisfações substitutivas daquilo que se perde na vida. Sem dúvida, pode-se ainda levantar toda classe de objeções à asserção de que os sintomas neuróticos são substitutos de satisfações sexuais. Em psicanálise, os contrários não importam em contradição. Poderíamos ampliar nossa tese e dizer que os sintomas objetivam ou uma satisfação sexual ou o rechaço da mesma, e que, na totalidade, o caráter positivo de realização de desejo prevalece na histeria e o negativo, ascético, na neurose obsessiva. Se os sintomas podem servir tanto à satisfação sexual como ao seu oposto.

Resistência e Anticatexia
Importante elemento da teoria da repressão é a opinião de que a repressão não é um fato que ocorre uma vez, mas que exige um dispêndio permanente de energia. Se esse dispêndio viesse a cessar, o impulso reprimido, que está sendo alimentado todo o tempo a partir de suas fontes, na ocasião seguinte fluiria pelos canais dos quais havia sido expulso, e a repressão ou falharia em sua finalidade ou teria de ser repetida um número indefinido de vezes. Assim, é porque os instintos são contínuos em sua natureza que o ego tem de tornar segura sua ação defensiva por um dispêndio permanente de energia. Essa ação empreendida para proteger a repressão é observável no tratamento analítico como resistência. A resistência pressupõe a existência da anticatexia. Uma anticatexia dessa espécie é claramente observada na neurose obsessiva. Ela aparece ali sob a forma de uma alteração do ego, como uma formação reativa no ego, e é efetuada pelo reforço da atitude que é o oposto da tendência instintual que tem de ser reprimida — como, por exemplo, na piedade, na consciência e no asseio. Essas formações reativas de neurose obsessiva são essencialmente exageros dos traços normais do caráter que se desenvolvem durante o período de latência. A presença de uma anticatexia na histeria é muito mais difícil de detectar, embora teoricamente seja igualmente indispensável. Na histeria, também, uma quantidade de alteração do ego através da formação reativa é inegável e em algumas circunstâncias se torna tão acentuada que se força à nossa atenção como o principal sintoma. O conflito devido à ambivalência, por exemplo, é transformado em histeria por esse meio.
O ódio do paciente por uma pessoa a quem ele ama é mantido em baixo nível por uma quantidade reduzida de ternura e apreensão da parte dela. Mas a diferença entre as formações reativas na neurose obsessiva e na histeria é que na segunda não têm a universidade de um traço de caráter, mas estão confinadas a relações específicas. Uma histérica, por exemplo, pode ser especialmente afetuosa com seus próprios filhos, os quais no fundo ela odeia; mas por causa disso ela não será mais amorosa, em geral, do que outras mulheres ou mais afetuosa para com outras crianças. A formação reativa da histeria apega-se tenazmente a um objeto específico e jamais se difunde por uma disposição geral do ego, ao passo que o que é característico da neurose obsessiva é precisamente uma difusão dessa espécie — um afrouxamento de relações na escolha de objeto.
Há outra espécie de anticatexia, contudo, que parece mais adequada ao caráter peculiar da histeria. Um impulso instintual reprimido pode ser ativado (novamente catexizado) a partir de duas direções: de dentro, através de reforço de suas fontes internas de excitação, e de fora, através da percepção de um objeto que ele deseja. A anticatexia histérica é principalmente dirigida para fora, contra percepções perigosas. Assume a forma de uma espécie especial de vigilância que, por meio de restrições do ego, causa situações a serem evitadas que ocasionariam tais percepções, ou, se de fato ocorrerem consegue afastar delas a atenção do paciente. A resistência tem de ser superada na análise, provém do ego que se apega a suas anticatexias. É difícil para o ego dirigir sua atenção para percepções e ideias que ele então estabeleceu como norma evitar, ou reconhecer como pertencendo a si próprio, impulsos que são o oposto completo daqueles que ele conhece como seus próprios. Nossa luta contra a resistência na análise baseia-se nesse ponto de vista dos fatos. Se a resistência for ela mesma inconsciente, como tão amiúde acontece, devido à sua ligação com o material reprimido, nós, a tornamos consciente. Se for consciente, ou quando se tiver tornado consciente, apresentamos argumentos lógicos contra ela; prometemos ao ego recompensas e vantagens se ele abandonar sua resistência. Não pode haver nenhuma dúvida ou erro sobre a existência dessa resistência por parte do ego. Mas temos de perguntar a nós mesmos se ela abrange todo o estado de coisas na análise, pois verificamos que mesmo após o ego haver resolvido abandonar suas resistências ele ainda tem dificuldades em desfazer as repressões; e denominamos o período de ardoroso esforço que se segue, depois de sua louvável decisão, de fase de ‘elaboração’. O fator dinâmico que torna uma elaboração desse tipo necessária e abrangente não está longe para se procurar. Pode ser que depois de a resistência do ego ter sido removida, o poder da compulsão à repetição — a atração exercida pelos protótipos inconscientes sobre o processo instintual reprimido — ainda tenha de ser superado.
Nada há a dizer contra descrever esse fator como a resistência do inconsciente. Não há qualquer necessidade de se ficar desestimulado por causa dessas correções. Devem ser bem escolhidas se acrescentarem algo ao nosso conhecimento, e não constituem vergonha alguma para nós, na medida em que antes enriquecem do que invalidam nossos pontos de vista anteriores — limitando algum enunciado, talvez, que era por demais geral ou ampliando alguma ideia que foi muito estreitamente formulada.

Uma Visão Kleiniana sobre Resistência
Klein descreveu a resistência na análise como sendo a manifestação de uma transferência negativa. Em contraste, a psicanálise clássica considerava a resistência como uma repressão da libido. Trata-se de uma diferença decisiva, que dá origem a tipos de interpretação radicalmente diferentes e expectativas de eficácia terapêutica também radicalmente diferente. Na opinião de Klein, a resistência apresentava-se como uma forma de evitar o relacionamento com ela própria ou como uma forma de evitar os jogos com brinquedos: “Minha experiência confirmou minha crença de que, se construo a antipatia, imediatamente como ansiedade e sentimento transferencial negativo e a interpreto como tal em conexão com o material que a criança ao mesmo tempo produz, remontando-o depois de volta ao seu objeto original, qual seja, a mãe, posso imediatamente observar que a ansiedade diminui. Isto se manifesta pelo começo de uma transferência mais positiva e, com esta, de um brincar mais vigoroso. Pela resolução de alguma parte da transferência negativa, obteremos então, tal como acontece com os adultos, um aumento da transferência positiva e esta, de acordo com a ambivalência da infância, será em breve, por sua vez, sucedida por uma reemergência da negativa”. (Klein, 1927). Interpretações desse tipo eram “contra a prática costumeira” (Klein – 1955) e ela entrou em disputa com Anna Freud a respeito do manejo da resistência e da transferência negativa.
Klein estudou as inibições no brincar com grandes detalhes e deu-se conta do impacto enorme dos sentimentos agressivos no desenvolvimento da simbolização e, portanto, na totalidade do funcionamento intelectual. Klein demonstrou que o brincar era tão simbólico quanto as palavras, ainda que envolvesse descarga muscular. Dessa maneira, a fantasia não era necessariamente um método de descarga alternativo à ação corporal, como Freud contentara-se em deixá-la ser, mas concomitante profundamente importante, senão a mola mestra, da descarga física de energia. A formação de símbolos é um recurso primário na expressão, tanto interna quanto externa da atividade inconsciente da fantasia, em qualquer momento determinado. A externalização destas fantasias no brincar simbólico e na personificação é impulsionada pela necessidade de colocar a certa distância, estados internos de perseguição. Klein estava demonstrando, portanto, que os símbolos, como substitutos, constituem uma estratégia defensiva, e que a análise do processo de simbolização é uma análise das defesas.
Mediante sua compreensão da personificação dos objetos internos e, eventualmente de partes do ego (identificação projetiva), percebeu que estava lidando com o tipo de defensividade que é adotado pelos psicóticos. A resistência psicótica é um ataque à capacidade que tem a mente de pensar e conhecer (a pulsão epistemofílica), mencionado por Bion (1959) como “ataques aos elos de ligação”. Na teoria da esquizofrenia de Bion, ele descreveu os ataques ao próprio ego, que representavam as experiências que Klein (1946) encarava como sendo os efeitos da pulsão de morte agindo dentro – a sensação de estar-se despedaçando. Bion descreveu particularmente um ataque à percepção da realidade interna. A resistência, igualada à transferência negativa, representava uma manifestação clínica da pulsão de morte. Freud pouco depois da Primeira Guerra Mundial (1920) admitiu a existência da agressão. O conceito veio a mais ou menos se fundir com o de reação terapêutica negativa. A presunção geral tem sido de que, por correta que tenha sido a interpretação que provocou uma reação negativa no paciente, tem de haver uma “mais correta”, que entenderia esta reação negativa. Klein foi das primeiras entre os que consideraram a agressão como sendo pulsional. Entretanto, por enfatizar as fantasias inconscientes, apoiava a visão de Freud de que as pulsões nos seres humanos são extraordinariamente maleáveis. Klein achava que a inevitabilidade da agressão em si não era otimista nem pessimista; cada indivíduo se empenha em sua própria luta pessoal contra seus próprios impulsos agressivos.
Freud deu-se conta, para sua consternação, que havia alguns pacientes que reagiam mal às interpretações analíticas: ficavam piores com interpretações boas, antes que melhores. Ele ficou afrontado pelo hábito do “Homem dos Lobos” de produzir “reações negativas” transitórias; todas as vezes que algo havia sido conclusivamente esclarecido, ele tentava contradizer o efeito (Freud-1917). Várias tentativas foram feitas para compreender a reação: a) Culpa: Freud atribuiu-a à culpa, especialmente à culpa inconsciente, que leva a uma necessidade de punição; o paciente alcança esse castigo sob a forma de padecer de má saúde. b) Pulsão de morte: em 1924, Freud especulou sobre o papel da pulsão de morte na reação terapêutica negativa. c) Posição depressiva: Riviere (1936) tirou algumas conclusões à luz da posição depressiva de Klein, as quais mostravam a importância das relações objetais envolvidas na culpa inconsciente: um medo de ser responsável pelo dano ou pela morte do objeto bom, especialmente do objeto bom internalizado. Apontou ela que se interpretar a um paciente culpado o que se acha errado com ele, isso o fará sentir-se mais culpado ainda, por estar dessa maneira errado. Advogou ela o equilíbrio entre interpretações das partes más do self e interpretações das partes boas, ponto de vista endossado por Rosenfeld (1987). d) Inveja: No mesmo ano (1936), Horney argumentou que a reação terapêutica negativa resultava da inveja do analista, isto é, de um desejo de estragar o trabalho deste último. Sob muitos aspectos, isto remonta a um breve artigo da autoria de Abraham (1919), a respeito de pacientes que não podem suportar o trabalho bem-sucedido do analista.

Um outro viés sobre Resistência - de Freud a Lacan
            Freud escreveu que “A constituição psíquica de um homem que reflete é muito diferente daquela de um homem que observa suas próprias reflexões. Há concentração nos dois casos, mas na reflexão há algo mais: uma crítica. Essa crítica faz eliminar uma parte das ideias surgidas após a percepção. Ela interrompe outras, no meio do caminho, impede a passagem; outras, enfim, não chegam nem mesmo a ultrapassar o limite da consciência; elas são recalcadas antes da percepção”.
A atitude crítica aparece assim na análise, como uma barreira; ela cessa então, por conseguinte, quando ela for analisada como uma resistência. Se for verdade que o conceito de resistência à análise não pode se unificar, por razões não acidentais ou não contingentes, então o conceito de análise e de análise psicanalítica, o conceito mesmo de psicanálise terá conhecido o mesmo destino. Só podendo ser determinada, pode-se dizer, na adversidade e com relação àquilo que lhe resiste, a psicanálise não se reunirá nunca na unidade de um conceito ou de uma tarefa. Se não há uma resistência, não há a psicanálise - que se entenda aqui como um sistema de normas teóricas ou como estatuto das práticas institucionais.
Toda resistência supõe uma tensão, e primeiramente uma tensão interna. Mas uma tensão puramente interna sendo impossível trata-se de uma inerência absoluta do outro ou de fora do coração da tensão interna e auto afetiva. O double bind é [...] o que não dá lugar, enquanto tal, nem à análise nem à síntese, nem à analítica nem à dialética. Ele provoca ao infinito a analítica e a dialética, mas é para lhes resistir absolutamente.
Na segunda necessidade devemos, segundo ele, pensar essa resistência como restância [restance] do resto, isto é, de maneira não simplesmente ontológica (nem analítica, nem dialética), pois a restância [restance] do resto não é psicanalítica.
A personalidade analisada não é somente o lugar de um segredo, - o segredo do inconsciente; ela é agora percebida como um conjunto que visa a defender o acesso a esse segredo. Esta defesa, isto é, o recalque e sua tradução, a resistência, é um novo segredo. É um mecanismo inconsciente. - A regra fundamental da psicanálise encontra na teoria da resistência seu complemento indispensável e sua verdadeira justificativa. Ao mesmo tempo, a regra fundamental torna-se o instrumento analisador não mais somente de uma investigação clínica, mas ainda de uma dinâmica que se dispõe a tratar o indivíduo, desta vez, não mais somente descobrindo o segredo de sua doença, mas atacando o centro dinâmico de seus conflitos.
Lacan dedica a primeira parte de seu seminário 1, Os Escritos Técnicos de Freud, para discutir a questão das resistências. Lacan diz que não pode haver uma "two-body's psychology", ou seja, uma relação analítica sem a intervenção de um terceiro elemento. Esse terceiro elemento é a fala, a linguagem. Sabemos que um analista pode fazer uma interpretação corretíssima e não obter nenhuma resposta se fez esta comunicação num momento inoportuno. Freud percebe, desde o momento em que abandona a hipnose, que alguma coisa no paciente resistia a essa reintegração do passado.
É importante, no entanto, compreender que esta reintegração não tem o sentido de revivência ou rememoração. Reintegrar é tomar de volta aquilo que se dispersou. É fazer voltar ao todo as partes que se desligaram. Esse retorno dos elementos inconscientes ao todo da consciência não se opera por simples rememoração. Além disso, em textos iniciais de Freud aparece a ideia de que a análise irá "tornar consciente o que é inconsciente", ideia que não se sustenta posteriormente, quando o inconsciente ganha o estatuto de sistema psíquico, fazendo parte, portanto, de nossa estrutura.
Lacan também relê os Estudos sobre a Histeria, primeiro trabalho de Freud que tenta dar conta de uma clínica. Neste texto, Lacan encontra a noção de que a resistência provém do núcleo do recalcado. Haveria uma força de repulsão que se exerce a partir do núcleo do recalcado. Quanto mais nos aproximamos deste núcleo, maior a resistência.
Este pensamento faz parte de uma ideia inicial de Freud, que supunha que o inconsciente resiste. No entanto, posteriormente, ele afirma que o inconsciente insiste, na tentativa de se fazer consciente. A resistência provém de outro lugar que, embora não pertença ao sistema inconsciente, também pode ser definido enquanto tal, pois é a parte inconsciente do eu.
Ao discutirmos a questão da resistência, aparece também a dúvida sobre o que seria a contratransferência, tema controvertido da psicanálise. Lacan acaba por defini-la como "a função do ego do analista (...) a soma dos preconceitos do analista”. Ao discutir mais longamente sobre a técnica, e também ao elaborar sua teoria dos quatro discursos (seminário 17), Lacan vai definir a posição do analista como sendo a de objeto. Ali, durante a situação analítica, o analista não é nem sujeito, nem eu, é objeto. Contratransferência seria colocar o eu nessa relação, com seus preconceitos e com sua demanda de amor. Por causa disso, não podemos falar que a análise é uma relação de eu a eu (ego a ego), até porque estão presente ali sujeito e objeto, e também a linguagem.
Freud nos diz que quando o paciente se cala é, provavelmente, porque lhe ocorre algum pensamento que tem a ver com o analista. Lacan nos aconselha a não fazer perguntas do tipo: você tem alguma ideia que tem a ver comigo? Isto direciona a atenção do paciente e impede o surgimento de algo mais puro. Lacan diz que, neste momento, o paciente pode, de repente, "realizar a presença do analista". É um fenômeno em que o paciente, de repente, percebe que existe ali um outro que o escuta.
Lacan acentua o fato de que não podemos colocar a resistência apenas como uma das defesas psíquicas. Ela é, acima de tudo, um fenômeno localizado na experiência analítica. No movimento de revelação do sujeito, aparece a resistência. Se esta resistência for muito forte, surge a transferência. Portanto, a transferência na análise exerce uma função específica. Ela faz com que o inconsciente do paciente se atualize na pessoa do analista. Ao reportar suas associações mais recalcadas à pessoa do analista, o paciente está atualizando o seu inconsciente.
Lacan diz que a palavra recalcada é uma "palavra verídica". É a palavra como revelação. "A resistência se produz no momento em que a palavra como revelação não se diz e o sujeito não tem mais saída”. Lacan conclui falando sobre a paradoxal posição do analista, que deve intervir no discurso do sujeito, enunciando ele uma palavra plena ou uma palavra vazia. No caso da palavra vazia, é preciso tentar extrair dela o que há de verídico. No entanto, quando a palavra verídica surge, não é mais do que por um momento. O eu (que é gestaltista, pois se constitui a partir de uma imagem, de uma boa forma), vai tentar tapar este buraco de abertura para o inconsciente, restaurando sua forma anterior. É preciso que o analista aponte esta palavra verdadeira para que o analisando possa continuar elaborando aquilo que surgiu.
São duas funções da palavra que aparecem na análise e que se contrapõem, a palavra vazia que tem sua função de comunicação entre o eu e o outro e a palavra verídica, que é a fala do sujeito. O eu, em sua relação com o outro, é portador desta palavra vazia sendo que, na análise, sua função é a do desconhecimento. Não há possibilidade de êxito quando se comunica ao eu do paciente aquilo que ainda está sob forte resistência. O único caminho possível é seguir pelas trilhas das associações, para que o sujeito possa se manifestar.

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